Logo no início de “All of Us Are Dead”, um personagem vê uma horda de zumbis e exclama “é o ‘Invasão Zumbi’”, momento em que outro responde “por que eles estão na nossa escola? Eles não deveriam estar nos cinemas?”. A referência ao sucesso coreano dirigido por Sang-ho Yeon em 2016 coloca os personagens da nova série coreana da Netflix ao lado dos espectadores, com as mesmas referências (“Zumbilândia” também é citado algumas vezes”) e com uma compreensão de mundo semelhante. Não é como em outras histórias nas quais as pessoas não fazem ideia do que está acontecendo, no lançamento da Netflix, um estudante logo identifica com o que estão lidando: zumbis.
A pulsante produção audiovisual coreana já percebeu o poder dos mortos-vivos, como comprovado no já citado no sucesso “Invasão Zumbi”, em sua péssima continuação, ou em obras como “#Alive” e a espetacular “Kingdom”, ambas da Netflix. Em “All of Us Are Dead”, acompanhamos a gênese de uma epidemia zumbi em um colégio, o que garante à série uma pegada um pouco mais adolescente, mas nada exagerado, e um certo frescor no que seria um apocalipse zumbi.
“All of Us Are Dead” entende sua posição e tem plena ciência de que quase tudo o que traz já foi visto em outras produções. Apesar disso, é interessante a maneira como a série mostra o “paciente zero”, o primeiro caso, e usa a narrativa para construir a tensão do que virá adiante. No primeiro episódio, por exemplo, a série nos mostra diversos adolescentes aglomerados, nas ruas ou em ambientes escolares, como se convidasse o espectador e imaginar o que aconteceria se tivesse um zumbi em meio a eles.
Quando a epidemia tem início, acompanhamos alguns grupos distintos de alunos tentando sobreviver na escola e também alguns núcleos do lado de fora, que conferem à série um espectro mais amplo. “All of Us Are Dead” é até bem corajosa em algumas escolhas e nos destinos de alguns personagens construídos inicialmente como protagonistas, mas desacelera e encontra saídas até questionáveis em alguns casos.
Ao mesmo tempo em que trata o apocalipse zumbi, o texto desenvolve as relações interpessoais dos jovens. Há, claro, amores secretos, a dúvida em relação ao futuro, ressentimentos guardados por anos e até rivalidade acadêmica. Em um ambiente tão complexo quanto o colegial, obviamente não estamos diante de apenas mais uma série de zumbis. Ainda, confinados na escola, os zumbis são amigos, professores e rostos conhecidos, o que torna tudo mais pessoal.
Com 12 episódios de cerca de uma hora cada, “All of Us Are Dead” não se apressa em nada. Alguns personagens parecem inicialmente jogados em meio à trama, mas eles ganham profundidade à medida que a narrativa se desenvolve. A longa duração da série também possibilita e até exige outros outros núcleos além do principal. Há um grupo distinto de alunos, também na escola, há o pai de uma protagonista, um bombeiro que fará de tudo para resgatar a filha, e também dois detetives que funcionam quase como um alívio cômico em meio ao caos estabelecido na cidade de Hyosan.
“All of Us Are Dead” traz tudo o que se espera de uma série de zumbis, mas se esforça para ir além das vísceras, do gore e das convenções pré-estabelecidas do gênero. A série acerta o tom ao se aproximar do universo de seus espectadores. Em determinado ponto, por exemplo, um influencer que não mora na cidade resolve ir até lá para “mostrar a verdade” sobre a epidemia zumbi de Hyosan; suas transmissões são recebidas com a seriedade presente em qualquer live, um mix de galhofa e descrença.
“All of Us Are Dead” funciona como um jogo de videogame, com um personagem ou um grupo tendo que ir do ponto A ao ponto B para encontrar algum item ou alguma pessoa. A premissa funciona por algum tempo, mas se torna cansativa e repetitiva em uma narrativa de 12 horas. O texto até oferece frescor na origem do vírus, suas mutações ou uma possível cura, mas o terceiro ato poucas vezes escapa da repetição.
A dinâmica da série se torna mais interessante quando o roteiro se propõe a discutir a violência entre adolescentes. O texto traz discussões sobre bullying, um dos focos principais da série, depressão e suicídio entre adolescentes, e até ensaia falar sobre regulação de imprensa e um regime autoritário, um tema forte na Coreia do Sul, país em que as primeiras eleições democráticas se deram em 1987.
A série tem boas cenas de ação, mesmo que nem sempre críveis, mas também é bastante conduzida para o melodrama - característica comum em obras coreanas com os sucessos "Round 6", "Profecia do Inferno" e "My Name". Os arcos dramáticos entre os adolescentes parecem bobos, mas, afinal, são adolescentes; em contrapartida, o drama fora de escola em busca de notícias dos filhos é sempre forte. Quando os arcos distintos finalmente se cruzam, os resultados são satisfatórios e recompensam a (longa) espera.
“All of Us Are Dead”, ao fim, é boa, mas poderia apenas ser mais curta - a trama poderia se resolver em oito episódios ao eliminar passagens e até arcos inteiros dispensáveis. A série explora todos os pilares das histórias de zumbis, com seus sacrifícios e as dores de ver pessoas queridas transformadas, e abre algumas novas possibilidades mesmo que algumas delas não façam tanto sentido (e realmente não fazem). A série trata a relação entre causa e consequência e fala da resposta à violência e do desespero pela solução final. Apesar de parecer mais uma série de zumbis com o mesmo discurso de sempre, a série consegue levar a discussão adiante.
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