Entre os vários nichos descobertos como rentáveis pela Netflix, estão as comédias românticas, narrativas normalmente sem grandes custos e possíveis de serem filmadas com equipe reduzida, em locações e com rostos pouco conhecidos. Funcionou com “A Barraca do Beijo”, “Para Todos os Garotos que Já Amei”, “Você Nem Imagina”, a ótima “Heartstopper”, além das diversas produções natalinas despejadas na plataforma anualmente a partir de novembro. Além de serem de fácil produção, as comédias românticas têm uma característica especial: seu público não liga de ver a mesma história sendo apenas atualizada para novos contextos.
A nova aposta da Netflix é “Amor & Gelato”, filme baseado no livro homônimo de Jenna Evans Welch, lançado no Brasil pela Intrínseca. Dirigido e roteirizado por Brandon Camp, o filme acompanha Lina (Susanna Skaggs, de “Halt & Catch Fire”), uma jovem que, após a morte da mãe, cumpre a promessa que havia feito de viajar para a Itália, para onde a mãe havia ido quando jovem.
“Amor & Gelato” é formulaico e recheado de clichês desde seu primeiro fotograma. A narrativa é aberta com uma narração em off sobre um ditado italiano deixado pela mãe de Lina, que nunca na vida havia conversado com a filha sobre amor ou sobre a Itália. Chegando à capital italiana, claro, ela terá uma jornada de autoconhecimento cheia de descobertas e surpresas nem sempre agradáveis.
Lina é o retrato da nerd dos filmes americanos, a menina padrão que passa por desengonçada, com um óculos grande, se diz avessa a festas e está prestes a ingressas no prestigioso MIT, o Instituto de Tecnologia do Massachusetts. Lina é metódica, calcula as possibilidades de tudo dar errado e se atém aos dados para justificar suas decisões. A Itália encontrada por ela é um lugar onde todos são bonitos, charmosos e impulsivos, sempre guiando suas motos vespas de maneira imprudente, um lugar que existe na ficção em que todos os cenários são belíssimos e as cidades compostas apenas por locais históricos.
Durante a viagem, com a ajuda de Francesca (Valentina Lodovini) e Howard (Owen McDonnell), além de um antigo diário da mãe, Lina conhece um outro lado de sua mãe, de sua paixão pela vida, e passa a enxergar uma mulher bem diferente daquela que passou os últimos anos da vida fragilizada e sob seus cuidados - é como se a mãe de Lina entendesse ter privado a filha da juventude e estivesse disposta a compensá-la por isso.
As descobertas de Lina obviamente também se dão no campo afetivo; prestes a ingressar na universidade, a jovem nunca teve um relacionamento, pois sempre se dividiu entre estudos e os cuidados com a mãe. Praticamente no instante em que ela pisa na Itália, ela conhece o bonitão Alessandro (Saul Nanni), um milionário gente boa, um “pobre menino rico”, e cria com ele um vínculo.
Não demora, porém, para ela conhecer Lorenzo (Tobia De Angelis), um jovem com aspirações gastronômicas, gente boa, trabalhador e conhecedor da verdadeira Itália e com quem, coincidentemente, Alessandro tem uma rixa. Está formado o triângulo amoroso que será desenvolvido entre passeios por cidades lindas, casas luxuosas e segredos reveladores.
“Amor & Gelato” se entende como filme clichê e até busca esse conforto ao modificar vários arcos do livro de Jenna Evans Welch para melhor encaixar a história na fórmula do gênero. Falta, no entanto, um mínimo de desenvolvimento para as relações - é tudo muito imediato e repentino, o que as torna superficiais e, de certa forma, vazias. O texto até tenta enganar o espectador em um primeiro momento, mas as viradas não chegam a ser surpreendentes.
Ainda assim, seria interessante questionar se Lina passa a viver a própria vida por vontade própria ou apenas para satisfazer os desejos da vida que sua mãe gostaria de ter vivido. “Amor & Gelato” nunca se faz essa pergunta, assim como não se preocupa em conferir peso às escolhas de sua protagonista, tornando tudo muito fácil em um mundo em que nenhuma decisão teria grandes consequências.
“Amor & Gelato” não é ruim, pelo contrário, é um filme capaz de entregar o que seu público busca, mas falta algo, falta um tempero que o torne uma experiência mais memorável e faça o espectador ter vontade de retornar àquele universo, que, se nada der errado, deve receber em breve as adaptações de outros dois livros: “Amor & Sorte” e “Amor & Azeitonas”.
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