Quando era adolescente, Javier (Álvaro Cervantes) descobriu ter o poder de ver o futuro, mas de uma forma muito específica. Ao beijar uma garota, ele podia ver tudo o que aconteceria no relacionamento deles, se seriam felizes ou não, como seria o término, quão grande seria o trauma… Por conta disso, suas relações sempre foram efêmeras e, quando o conhecemos, ele está prestes a terminar com mais uma garota.
Um dia, porém, em uma balada, em meio a uma brincadeira, ele acaba beijando Lucía (Silvia Alonso), namorada de seu melhor amigo. O problema é que, em sua visão do futuro, eles formavam um casal muito feliz, como se tivessem sido feitos um para o outro. Como Lucía e o namorado já não andavam muito bem, Javier acaba investindo na namorada do amigo e está entregue o conflito de “Amor ao Primeiro Beijo”, filme da diretora Alauda Ruiz de Azúa lançado pela Netflix.
Tudo vai bem por um tempo, mas o relacionamento se enfraquece não pela rotina, mas por Javier já saber exatamente o que vai acontecer a cada momento, como se ele tivesse se apaixonado de imediato e fosse se desapaixonando cada um dia um pouco. Paralelamente, Javier conhece outra mulher totalmente imprevisível e com quem ele não enxerga nada no futuro, nada mesmo, uma página em branco. Qual caminho ele deveria seguir, o da segurança do que já viu ou a jornada da qual não tem nenhum spoiler?
“Amor ao Primeiro Beijo” assume o risco ao não apostar nos conflitos esperados para uma obra com essa premissa. A grande questão do filme nunca é se Javier foi correto ou não ao se relacionar com Lucía, mas sim o poder da novidade, do desconhecido. Isso fica claro também no arco da escritora contratada pela editora do protagonista, uma mulher que busca repetir tudo o que já escreveu e não oferece mais nenhum frescor à sua escrita. Curiosamente, é Ariana, a impulsiva personagem de Susana Abaitua, o fator transformador nos dois arcos centrais do filme, a faísca que leva um pouco de caos à previsibilidade.
Essa escolha até busca dar mais profundidade ao filme de Ruiz de Azúa, mas também - e talvez seja essa a intenção - acaba com a sua previsibilidade inicial, com aquele conforto que as obras do gênero normalmente oferecem. “Amor ao Primeiro Beijo” sofre um pouco com uma edição atropelada, que nunca deixa claro quanto tempo se passou e enfraquece o relacionamento central.
Por outro lado, é interessante acompanhar como o texto de Cristóbal Garrido e Adolfo Valor se desenrola nos poucos mais de 90 minutos de filme, pois o que resta de um relacionamento sem as pequenas surpresas, as novas formas de se apaixonar diariamente pela mesma pessoa?
Diretora do bom “Lullaby”, Alauda Ruiz de Azúa passeia por alguns tons em “Amor ao Primeiro Beijo” e mostra competência para dirigir atores e imprimir o ritmo ao filme, mas parece nunca encontrar o que quer, tornando o filme superficial em todas as frentes e desperdiçando algumas boas ideias. O dilema de Javier, por exemplo, nunca fica claro, tampouco fica expresso o sentimento de Lucía dentro da relação - é ele quem decide por ela no início, no meio e no fim do filme. Da mesma forma, o “poder” do protagonista serve apenas para colocar o filme em movimento com ares de fantasia.
“Amor ao Primeiro Beijo” não é ruim, mas falta algo que torne o filme mais marcante; talvez um conflito mais bem estabelecido entre personagens, talvez mais tempo de filme para desenvolver a trama, ou talvez apenas um texto mais competente. Ao fim, é (mais) um passatempo esquecível na Netflix, um filme que não deve incomodar ninguém, mas que tampouco terá defensores ferrenhos.
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