“Amor em Tempos de Polarização”, filme polonês lançado pela Netflix, é estranho, mas não de uma forma positiva. O filme de Piotr Kumik tem início com um grupo de extrema-direita polonês comemorando o que seria o aniversário de 142 de Adolf Hitler. Logo percebe-se, também, o líder do grupo, Roman (Borys Szyc, do ótimo “Guerra Fria”), a única cabeça pensante ali, mesmo que embalado por muita cocaína, muitos preconceitos e com o discurso patriótico anti-imigrantes, negros, LGBTQIA+ na ponta da língua.
Pouco depois conhecemos Staszek (Maciej Musialowski), um jovem sem muita direção na vida. Aos 20 anos, mora com os pais, divide o quarto com a irmã e trabalha num emprego que paga mal e com um chefe horrível. O roteiro joga a informação de que ele é uma ex-promessa do futebol polonês que teve a carreira encurtada por uma lesão no joelho, mas isso nunca é desenvolvido.
Como se vende como uma história de amor, o filme precisa dar a Staszek sua coprotagonista. Pola é uma ativista feminista, militante dos direitos LGBTQIA+, luta pela classe trabalhadora e sonha com uma Polônia mais igual. Quando a encontramos, ela acabara de encontrar o namorado, o típico esquerdo-macho, na cama com outra. Frustrada, ela deixa Varsóvia e volta para sua pequena cidade natal, a mesma de Roman e Staszek.
Staszek e Roman são primos e, mesmo que o primeiro não seja um ativista da Sociedade Juvenil Radical, o grupo nazifascista comandado por Roman, ele é um simpatizante da causa e amigo dos integrantes. Um dia, num bar, ele conhece Pola meio por acaso, em uma cena que até funciona bem - eles se interessam um pelo outro e constroem um relacionamento a partir dali, mas ela, é lógico, não conhece as preferências políticas dele. Está apresentada a estrutura da comédia romântica com viés político que o filme vende, mas não é assim que ele se desenvolve.
“Amor em Tempos de Polarização” constrói uma falsa equivalência perigosa. Em uma cena, por exemplo, há simpatizantes nazistas pedindo a morte de judeus, comunistas e pessoas LGBTQIA+ de um lado, prestes a iniciarem um conflito com ativistas pregando paz e igualdade de direitos - no meio, uma imagem do papa João Paulo II (polonês), como se assistisse a tudo aquilo em reprovação. O roteiro também normaliza alguns comportamentos e algumas atitudes nazistas, transformando-os em frustração social, sexualidade reprimida ou até mesmo em algo passageiro, coisa “de jovem”.
A estrutura de comédia romântica dura apenas o tempo que convém ao roteiro, com o filme logo dedicando muito mais tempo ao grupo de Roman, tratado com certo humor, e seus planos. Pola desaparece da trama após um arco que mergulha Staszek no grupo, reforçando a adesão ao nazismo causada pela frustração que o filme defende.
Mesmo deixando essas questões de lado (o que não deve ser feito ao analisar uma obra), “Amor em Tempos de Polarização” continua sendo um filme muito ruim. Há algumas boas piadas e algumas escolhas narrativas que funcionam, mas, com cerca de 90 minutos de duração, o filme não se desenvolve como a tal comédia romântica e tampouco como um drama social. Há muita informação para considerá-lo um filme leve, um entretenimento simples, principalmente por ser muito difícil normalizar a humanização de personagens neonazistas como o filme faz.
Ao fim, “Amor em Tempos de Polarização” simplesmente é um grande equívoco. A relação entre Pola e Staszek é artificial e muito pouco explorada, nem sequer sendo o foco do filme. A roupagem de comédia romântica esconde uma tentativa de comédia social que entrega suas reais intenções na última cena, que busca uma crítica à ascensão do discurso de extrema-direita, mas acaba como a escolha do roteiro por um lado da história.
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