É impressionante o quanto subestimam James Cameron quando se fala de grandes diretores contemporâneos. Afeito ao espetáculo e às narrativas grandiosas, o cineasta é o epítome do cinema pop das últimas décadas e talvez seja menosprezado justamente por seus filmes acabarem se tornando clássicos da “Sessão da Tarde” anos depois. Desde o primeiro “O Exterminador do Futuro” (1984), passando por “Aliens: O Resgate” (1986), “O Segredo do Abismo” (1989), “O Exterminador do Futuro 2” (1991) até chegar ao fenômeno “Titanic” (quem viveu lembra) em 1997, Cameron sempre fez filmes para o público e não para os críticos.
A grandiosidade do diretor culminou em “Avatar” (2009), filme que ele queria fazer há anos, mas não tinha a tecnologia disponível para isso. O filme foi um sucesso estrondoso, popularizou o cinema 3D (o que talvez não seja motivo para orgulho), é ainda hoje a maior bilheteria da história do cinema, e continuações sempre estiveram nos planos dos estúdios, mas seriam à maneira de James Cameron ou de nenhuma maneira.
“Avatar: O Caminho da Água”, ou “Avatar 2”, chega 13 anos depois do filme original com tudo o que se espera do cinema de um autor ambicioso. É um filme de grandes proporções, um blockbuster em sua essência, um texto que, apesar da repetição, traz novos focos narrativos, muito sentimentalismo ecológico e avanços tecnológicos que representam um novo marco na indústria do cinema.
O filme tem início com um longo prólogo que conecta os dois filmes, muito tempo se passou, afinal, desde que Jake Sully (Sam Worthington) se juntou aos Na´vi para viver ao lado de Neytiri (Zoe Saldaña) em Pandora. Juntos, eles começaram uma família e se tornaram líderes da região. As coisas mudam quando um novo conflito se reaproxima da região e faz com que a família se exile em busca de paz. Sem pressa, o roteiro usa bem a longa duração do filme (190 minutos) para reambientar o público de tudo o que já aconteceu - ninguém é obrigado a reassistir ao filme de 2009 se não quiser, mas uma revisita a ele funciona bem até para ver o que funciona ainda hoje.
Enquanto o primeiro filme era quase todo situado na floresta, “Avatar 2” busca a água, como sugerido pelo título. A maior parte do filme é ambientada no território da tribo Metkayina e seu ecossistema aquático super vivo e com aparência um tanto etérea. James Cameron aproveita todo seu conhecimento ecológico e de meio ambiente (uma de suas paixões) e recheia sua aventura com fauna e flora colorida, brilhante e cheia de vida, povoando Pandora e tornando o planeta parte essencial do filme principalmente se considerarmos que a guerra se aproxima e a destruição de tudo é iminente.
James Cameron é espetacular no comando das cenas de ação de “Avatar: O Caminho da Água”. O cineasta promove o caos e dá a real dimensão de um conflito em cenas bem imaginadas que prendem o espectador, mas nunca perde o controle - até os momentos de pura confusão e correria são compreensíveis, com ótimo ritmo e o peso necessário para que o público sinta as perdas e a força do conflito.
Talvez até para dar a sensação de ameaça contínua e oferecer um senso de continuação, o filme traz de volta (quase milagrosamente, vale dizer) o militar vivido por Stephen Lang no primeiro filme. Miles Quaritch é a representação de uma figura autoritária, tóxica, do colonialismo e da destruição ambiental trazidos filme original. Em “Avatar 2”, as questões do militar são mais pessoais, de vingança contra Sully e todos os Na'vi, e por isso ele ressurge com memórias implantadas em um avatar Na'vi ao lado de soldados que também se sujeitaram ao procedimento. Apesar de caricato, o vilão funciona muito por mérito de Lang, que abraça o ridículo em sua interpretação que torna o personagem mais interessante, desenvolvido até em alguns longos monólogos.
“Avatar: O Caminho da Água” também introduz novos personagens, figuras mais jovens para despertar uma identificação de um público mais jovem. Os filhos de Jake e Neytiri, Lo’ak e Kiri, representam os novos rumos do povo Na´vi, ambos em busca de seus lugares no mundo e na organização social. Eles têm a companhia de Spider (Jack Champion), um humano deixado para trás quando da expulsão dos terráqueos de Pandora. Há uma sensação de subaproveitamento da personagem de Kate Winslet, uma líder Metkayina, mas é bem provável que ela ganhe espaço no já filmado terceiro filme (dos cinco planejados).
Tecnicamente, o filme impressiona e diminui em muito aquela sensação de artificialidade causada pelo uso exagerado (e necessário para o filme) de computação. As cenas que misturam personagens animados e atores em ambientes reais são muito orgânicas e dão a impressão de que eles realmente dividem um espaço. A movimentação dos Na´vi às vezes ainda é artificial, mas também tem uma melhora absurda na qualidade.
Narrativamente, porém, há pouca novidade. Se por um lado o filme pouco desafia o espectador, apresentando estrutura rígida bem similar à do primeiro (e a de tantos outros filmes do gênero) e oferecendo o conforto, por outro ele se repete em seus arcos e seus desfechos. A boa notícia é que James Cameron sabe como poucos preparar o filme para uma conclusão com senso de espetáculo, encerrando “Avatar 2” com cerca 35 minutos absolutamente espetaculares.
“Avatar: O Caminho da Água” é um blockbuster, mas é também um projeto muito pessoal para James Cameron e, por isso, um filme tão bem realizado. O longa de 2009 se resolveria sozinho, sem a necessidade de retornar àquele universo, mas o cineasta enxergava novas possibilidades para seu espetáculo sensorial. James Cameron mostra que sua capacidade de contar uma história espetacular e afetuosa não deve ser subestimada nunca. “Avatar 2” é um filme que ninguém sabia que precisava, mas que talvez devolva o senso de espetáculo da Sétima Arte a parte do público.
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