Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Ascensão do Cisne Negro": filme da Netflix é constrangedor

"Ascensão do Cisne Negro", sucesso na Netflix, parte de uma péssimo roteiro para criar um filme com diálogos medonhos, atuações fracas e ação genérica

Vitória
Publicado em 30/08/2021 às 18h41
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Filme "Ascensão do Cisne Negro", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

O que torna um filme ruim? E quando digo ruim, quero dizer realmente ruim, não apenas um filme de que você não tenha gostado, ou uma obra cujo estilo você não curte tanto. É possível destacar pontos negativos na franquia “Velozes e Furiosos” ou nos filmes de super-heróis da Marvel, por exemplo, mas ainda assim reconhecer que eles funcionam, que entretêm, que têm seus públicos.

É possível, também, reconhecer valor em obras que tropeçam em quase tudo, mas conseguem entregar algo no mínimo original, como as franquias “Uma Noite de Crime” ou “Jogos Mortais”. O que, então, faz com que possamos realmente dizer que um filme é ruim? A resposta, por mais que não seja simples, poderia se resumir à exibição de “A Ascensão do Cisne Negro”, lançado pela Netflix na última semana.

Dirigido por Magnus Marten (“Banshee”) a partir do livro do ex-soldado britânico Andy McNab, o filme tem rostos conhecidos, o que garante a atenção em um primeiro momento. Sam Heughan (“Outlander”), vive Tom Buckingham, um soldado da SAS (força especial do exército britânico) prestes a pedir a namorada, Sophie (Hannah John-Kamen), em casamento. Após uma missão não tão bem-sucedida, eles partem para Paris, local onde Tom planeja fazer o pedido.

A tal missão era para prender os líderes de uma equipe conhecida como Os Cisnes Negros, mercenários contratados para fazer o trabalho sujo do governo e de grandes corporações. O filme tem início com o massacre de uma vila que impedia a passagem de um lucrativo gasoduto. Comandados por William Lewis (Tom Wilkinson) e sua filha, Grace (Ruby Rose), os Cisnes são cruéis, quase sádicos, e pouco se importam com qualquer coisa além do pagamento que receberão.

Os caminhos de Tom e os dos Cisnes se cruzam no Eurotúnel, que liga Londres a Paris por baixo do Canal da Mancha. Os mercenários sequestram o trem e executam diversos passageiros, mas o soldado consegue escapar e, sozinho, derrubará os vilões, resgatará a namorada e derrubará uma grande conspiração que vai até o alto escalão do governo britânico.

Apesar de mais de duas horas de duração “A Ascensão do Cisne Negro” é atropelado e mal desenvolvido. Tom é um dos personagens mais superficiais já criados para o cinema de ação, gênero já conhecido por seus personagens rasos - sua única profundidade é Sophie e uma breve sequência que mostra que ele vem de uma família nobre, talvez até da família real; o ‘Buckingham’ em seu nome é uma forma brega de reforçar isso.

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Filme "Ascensão do Cisne Negro", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

O roteiro do filme poucas vezes faz sentido, com planos normalmente mal planejados e mal-executados. Ainda, os personagens não são muito inteligentes. Grace, por exemplo, mesmo com o rosto estampado em todos os jornais do Reino Unido e com sua imagem passando na televisão, abre mão de seu disfarce assim que entra no trem para Paris, e o faz sem motivo algum. A única justificativa  é que o roteiro precisa de uma forma de Tom identificá-la e acionar seus colegas de SAS.

De maneira similar, os mercenários executam praticamente todos que se movem quando controlam o trem, mas em determinado momento “precisam de um médico” para um dos passageiros - a única razão é expor Sophie e trazê-la para perto da ação. “A Acensão do Cisne Negro” é cheio de situações como essa e a do parágrafo anterior, frutos de um texto preguiçoso e incapaz de movimentar a trama sem essas muletas.

O roteiro ainda é culpado por alguns dos piores diálogos de que me lembro. Logo no início, por exemplo, Tom descobre o disfarce de uma vilã ao perguntar a ela, aparentemente grávida, sobre o sexo do bebê. Sim, o mocinho tem certeza se tratar de uma mercenária a partir da resposta a essa pergunta. Em outro exemplo, após personagens se equiparem, conversarem sobre e adentrar um gasoduto, Tom vira para a câmera e diz “é gás”, como se precisasse legendar o filme para quem o acompanha. Os diálogos de baixa qualidade e alta exposição didática são uma constante durante todo o filme.

“Mas estamos falando de um filme de ação. Eu não ligo para diálogos”, você pode argumentar. Bem, a ação de “Ascensão do Cisne Negro” é genérica, às vezes confusa e quase sempre pouco interessante, sem criatividade alguma. Como não damos a mínima para nenhum personagem, pouco interessa se ele vai morrer ou não, o que tira todo o peso e tensão da trama. Além disso, pode ter certeza de que se um figurante tiver falas, ele vai ser morto.

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Filme "Ascensão do Cisne Negro", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

O texto cria personagens incrivelmente burros, como os bandidos genéricos, sempre vigiando apenas um lado, o traidor que atende o telefonema da vilã no meio de seus colegas mocinhos ou Tom, que envia fotos da situação para seus superiores e, entre as fotos, uma do vagão em que ele viajava, o que obviamente facilita a vida da mercenária - essa muleta, mesmo muito ruim, poderia pelo menos ganhar uma razão ao mostrar o contexto daquela foto. Há também a situação em que uma personagem troca mensagens de celular com outro e um terceiro tenta “avisar”, aos gritos, que é uma cilada, como se a pessoa pudesse ouvir do outro lado de uma conversa de texto.

O filme de Magnus Martens é tão genérico que seria fácil construí-lo a partir de cenas de outros filmes. Até mesmo a sequência final, uma das poucas coisas “interessantes” (atenção às aspas) da obra, não é necessariamente original, apesar de representar certo respiro à narrativa.

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Filme "Ascensão do Cisne Negro", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

“Ascensão do Cisne Negro” ainda tenta, sem sucesso, traçar paralelos entre Tom e Grace, sobre como ambos seriam psicopatas, mas ele teria sido salvo de se tornar algo como ela unicamente pelo amor. É curioso, assim, que a partir de certo momento, Sophie, uma médica, dê ao namorado uma “carta branca” para matar quem ele julgar necessário, tudo em nome de um “bem maior”.

Ao fim, há muito pouco que se salva no sucesso da Netflix. As atuações são medonhas (poucas vezes se viu atuação pior do que a de Sam Heughan), o roteiro é péssimo, as viradas são previsíveis e a ação é genérica. “Ascensão do Cisne Negro” é definitivamente um filme ruim, daqueles que não seriam exibidos aos críticos antes da estreia e talvez nem fossem consumidos se não estivesse sendo empurrado por uma popular plataforma de streaming.

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