A dramaturgia sul-coreana tem características muito particulares. Os k-drama produzidos pela televisão da Coreia do Sul são sempre programas voltados para a família, com humor, ação e drama devidamente controlados pela influência ocidental no país, mas também pelas tradições locais. Neste modelo, sucessos recentes como “Uma Advogada Extraordinária” e “Alquimia das Almas” foram produzidas por lá e distribuídas no resto do mundo pela Netflix. A plataforma de streaming, porém, tem apostado em seus próprios produtos coreanos e dado aos k-drama características novas, mais sérias e menos familiares, como no caso das ótimas “Round 6”, “My Name”, “Kingdom”, "Profecia do Inferno" ou “Sweet Home”, obras de gênero, violentas e várias vezes pesadas para a TV aberta do país asiático.
“Bad and Crazy”, que chega à Netflix quase um ano após sua estreia na TV coreana, talvez seja um diálogo entre as duas linguagens. A série policial tem uma estética de ação que lembra as produzidas pela Netflix, mas mistura essa linguagem a uma narrativa televisiva familiar, com humor pastelão e atuações intencionalmente caricatas. A série foi um sucesso na Coreia do Sul e agora tenta repetir a trajetória mundo afora.
A série acompanha Ryu Soo-yeol (Lee Dong-wook) em policial da equipe anti-corrupção em busca de promoção. O conhecemos quando ele acorda de ressaca, após uma noite de bebedeira, sem se lembrar das coisas que fez no dia anterior. Ele logo passa a ser perseguido por uma figura misteriosa com um capacete de motociclista, um sujeito interpretado por Wi Ha-joon (de “Round 6”) e que ninguém parece ver além Soo-yeol.
Paralelamente, conhecemos Oh Kyeong-tae (Cha Hak-yeon, ou N, do grupo pop VIXX), um policial novato e bondoso. Ao resolver ajudar uma menina a encontrar sua mãe, ele acaba desvendando um crime cometido por pessoas poderosas que obviamente não podem deixar que isso venha a público. Tudo isso é apresentado no primeiro episódio de “Bad and Crazy”, preparando o cenário para muitas confusões, algumas boas e violentas sequências de luta, e para a investigação policial que funciona melhor do que o esperado.
Inicialmente meio irritante, Soo-yeol se torna um personagem com o qual nos identificamos com o tempo. O roteiro de “Bad and Crazy” se aprofunda no passado do policial e em sua família - é ele quem sustenta a família e cuida da mãe, que tem saúde frágil. Entendemos, assim, sua ânsia pela promoção, pelo sucesso, e como essa pressão lhe é prejudicial. Quando finalmente entendemos a dinâmica entre ele e o misterioso homem que o persegue, o personagem ganha camadas e a série, um bom arco.
Com 12 episódios de 60 minutos, “Bad and Crazy” poderia ser mais curta - mesmo problema de “Uma Advogada Extraordinária”, mas é necessário ressaltar que nenhuma delas foi pensada para o formato de maratona, sendo lançados com dois episódios semanais em dias seguidos. Com uma narrativa longa para os padrões atuais, a série também peca pelas voltas que dá antes de encontrar seu foco.
Alguns personagens, como Lee Hui-gyeom (Han Ji-eun), demoram a fazer sentido na trama. Hui-Gyeom, por exemplo, é introduzida como uma ex-namorada do protagonista, uma também policial com quem ele não se dá muito bem, mas com quem é obrigado a lidar profissionalmente. Só muito adiante é que ela ganha relevância na trama e se mostra uma peça essencial no departamento anti-corrupção. É curioso como o texto, quase todo dominado por personagens masculinos, faz questão de que Hui-gyeom nunca se submeta a eles ou seja apenas um par romântico de alguém.
Em seu arco principal, o texto lida com uma máfia russo-coreana, uma investigação de corrupção, algumas questões de saúde mental e uma boa dose de melodrama; a mistura não é necessariamente ruim e até faz sentido quando a trama engrena e apresenta outros personagens legais, mas é um pouco cansativa para quem pretende assistir vários episódios na sequência.
“Bad and Crazy” é mais violenta e pesada do que o usual para os K-drama, mas provavelmente não incomodará os fãs do gênero. A série é também mais lúdica e bem-humorada do que seus pares na Netflix. O resultado é uma mistura equilibrada, mesmo que às vezes um pouco sem rumo, que garante ação, romance, perseguições e até lida com alguns assuntos mais sérios em uma sociedade ainda conservadora, tudo embalado em uma grande produção e com bons atores. Não é incrível, mas é uma boa surpresa.
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