É fácil entender o apelo de “Beckett”, coprodução entre Itália, Brasil (pela RT Features) e Grécia lançada na última semana pela Netflix. “Beckett” é um thriller de ação estrelado por John David Washington, ator de filmes como “Infiltrado na Klan” (2018), “Malcolm & Marie” (2021) e principalmente “Tenet” (2020). Tendo trabalhado com diretores das grifes de Spike Lee e Christopher Nolan, o filho de Denzel Washington é um dos nomes em alta na indústria. O lançamento da Netflix ainda tem no italiano Ferdinando Cito Filomarino um diretor/roteirista em ascensão e, na oscarizada Alicia Vikander, uma coadjuvante de luxo.
O filme acompanha o personagem título, vivido por John David Washington, um turista americano em visita à Grécia ao lado da esposa, April (Vikander). Após um acidente automobilístico, Beckett passa a ser perseguido e descobre não poder confiar em ninguém. Cabe a ele descobrir a verdade sobre o que está acontecendo.
“Beckett” é um filme simples, sem grandes arroubos estilísticos e com uma linguagem dura - a câmera acompanha o protagonista durante praticamente todo o tempo, às vezes com aspecto quase jornalístico. Essa escolha passa também a impressão de um filme “menor” em comparação a algumas obras parecidas, como as recentemente estreladas por Liam Neeson.
Pouco sabemos sobre o personagem título, mas as cenas iniciais, antes do acidente, nos ajudam a entender pelo menos superficialmente a dinâmica de seu relacionamento com April e também criam uma identificação do público com o protagonista. A princípio, pouco entendemos também de tudo o que acontece além da trama principal; vamos gradualmente tendo contato com essas informações, nem sempre de forma muito natural, e descobrimos que “Beckett” é a típica história do cara errado na hora errada - essa situação é muito bem retratada na dificuldade de comunicação de Beckett, um americano em um país onde poucos falam inglês com fluência.
O protagonista também não passa a impressão de ser um sujeito acostumado a brigas, ao contrário do que normalmente acontece em filmes de ação. Assim, surpreende a mudança dessa característica em uma sequência acrobática perto do fim, pois em momento algum o filme havia dado indícios dessa capacidade, muito pelo contrário. Durante a maior parte do tempo, o texto faz questão de ressaltar o aspecto “homem comum” de Beckett, um sujeito como eu ou você, mas em uma situação limítrofe.
A inspiração em clássicos como “Os 39 Degraus” (1935), de Alfred Hitchcock, e “O Fugitivo” (1993), de Andrew Davis, são claras, assim como a influência de “Busca Frenética” (1988), de Roman Polanski, outro filme sobre um americano “perdido” em um país estranho, mas o texto de “Beckett” nunca chega a esse nível de qualidade. O filme ganha contornos sobre a situação política da Grécia e uma trama cheia de conspiração, mas o espectador pouco entende o que está acontecendo ou as viradas do roteiro. Nem mesmo todo o didatismo de uma delas, no terceiro ato, ajuda na compreensão.
John David Washington se sai bem durante a maior parte do tempo, com uma atuação cheia de fisicalidade e dando valor à deterioração de seu personagem ao longo da trama. Com um texto raso, é difícil cobrar do ator uma profundidade dramática em seu papel, o que praticamente inexiste no filme além dos momentos iniciais. Sem a ajuda do roteiro, cabe à trilha sonora de Ryuchi Sakamoto, vencedor do Oscar por “O Último Imperador” (1987), a construção de tensão e o peso das cenas.
Originalmente feito para ser lançado nos cinemas, “Beckett” encontra na Netflix uma plataforma na qual será visto com mais tolerância. O filme de Ferdinando Cito Filomarino aposta demais no aspecto de “poderia ser com você”, mas deixa tudo de lado no ato final, fazendo com que o espectador abandone a identificação criada com o protagonista no início. Em um cinema, o público poderia sair decepcionado, como se o dinheiro investido não tivesse valido a pena, mas a dois cliques, no sofá de casa ou pela tela do celular, é um filme razoável e que não chega a ser uma decepção.
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