Na mesma semana em que “Dahmer: Um Canibal Americano” se tornou a segunda série mais vista da história da Netflix (ainda atrás de “Round 6”), Ryan Murphy está de volta à plataforma com um novo lançamento também baseado em fatos. “Bem-vindos à Vizinhança” conta a história de uma família recém-chegada a uma pacata vizinhança em Nova Jersey que começa a receber cartas ameaçadoras e enigmáticas que falam sobre um "observador" (título original da série) que historicamente observa a casa número 657 em Westfield, cartas que se referem às crianças como "sangue novo" e falam até em rituais de sacrifício.
As cartas tinham frases como "Quem sou eu? Centenas mais centenas de carros passam todo dia pela rua. Talvez eu esteja em um deles" ou "Quer saber quem é o observador? Olhe em volta, idiota. Talvez você tenha falado comigo, um dos seus vizinhos que dizem não saber nada sobre mim. Ou talvez eles tenham medo de dizer algo". Muito sinistro!
“Bem-vindos à Vizinhança” tem elenco de rostos conhecidos. Dean (Bobby Cannavale) e Nora (Naomi Watts) são os protagonistas e pais de kids Ellie (Isabel Gravitt) e Carter (Luke David Blumm); a vizinhança é cheia de suspeitos e até quem parece estar do lado dos Brannock (a nova família da vizinhança) pode perfeitamente ser o stalker - Karen (Jennifer Coolidge), uma antiga amiga de Nora, tenta convencê-la a vender a casa por um preço abaixo do mercado, já Dakota (Henry Hunter Hall) quer oferecer um plano caríssimo de segurança residencial, ou seja, todos têm interesses particulares.
A minissérie cria uma ambientação incômoda desde a chegada dos Brannock ao bairro. Há uma artificialidade, uma sensação de que qualquer um pode esfaquear o outro pelas costas a qualquer momento, o que funciona muito bem para a criação da tensão narrativa.
O texto também é muito eficiente na criação dos personagens. Bobby Cannavale e Naomi Watts são ótimos juntos e dão vida a personagens complexos e cheios de camadas. Cannavale mistura humor e afeto com uma personalidade um tanto ameaçadora, principalmente quando sua família está em risco.
No melhor estilo Ryan Murphy, a série brinca com alguns possíveis elementos sobrenaturais e teorias sobre cultos macabros - o segundo episódio, quando Dean conhece um ex-morador da casa, reforça esse aspecto meio macabro da série. Ajuda a construção do mistério e as possibilidades a serem exploradas o fato de a história real da família Broaddus não ter uma conclusão definitiva ou esclarecedora.
Com novas teorias e novos suspeitos a cada episódio, a série funciona melhor quando se dedica a analisar o estrago das cartas e de toda a situação na dinâmica familiar, tendo em algumas revelações do núcleo seu melhor momento - a virada do quinto episódio é ótima e ajuda na solução do quebra-cabeças que a série cria.
O roteiro é baseado no artigo “The Haunting of a Dream House”, publicado na “New York Magazine” (confira o texto aqui, em inglês) ,em 2018, mas Murphy toma várias liberdades criativas em relação ao artigo até para criar essa ambiguidade do medo e deixar tudo ainda mais sinistro. “Bem-vindos á Vizinhança” também esbarra em vícios do gênero de suspense na tentativa de conferir mais estofo à série.
Durante os sete episódios, o texto tem algumas idas e vindas, com suspeitas obviamente infundadas e investigações que não levam a lugar algum. Se a ideia é confundir o espectador e deixá-lo tão perdido quanto as investigações policiais sobre o caso, ela é bem sucedida, mas, ainda assim, irritante. Da mesma forma, algumas caricaturas nas quais os vizinhos aos poucos se transformam são exageradas e afastam o espectador do clima de “história real”, mas Ryan Murphy não consegue se segurar…
“Bem-vindos à Vizinhança” é boa e macabra justamente por se ater aos fatos e por contar uma história com a qual o público pode se relacionar com facilidade. A narrativa é sempre tensa, cheia de possibilidades e reforçada por grandes atuações de Cannavale e Watts, que têm ótima química como casal em cena. Dentro do possível, Ryan Murphy entrega uma série mais sóbria e bem menos problemática que “Dahmer”.
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