Criado no final dos anos 1970, em Los Angeles, o Chippendales se tornou um fenômeno cultural na década seguinte. O clube de strip masculino, inicialmente voltado apenas para mulheres, foi um sucesso estrondoso ao entender o básico: mulheres também sentem desejo.
O criador do clube foi Somen “Steve” Banerjee, um imigrante indiano em busca do sonho americano, mas foi o coreografo Nick de Noia o responsável pelo sucesso ao transformar um simples clube de strip em um espetáculo sensual burlesco e cafona, algo além do erotismo de homens sarados de tanga, um show tão ridículo que era quase uma galhofa. Depois de Los Angeles, o Chippendales abriu filiais em outros estados, incluindo Nova York, e seus dançarinos se tornaram um show itinerante, realizando turnês mundo afora, mas a história por trás da história do clube e dos dançarinos é bem mais complexa.
“Bem-vindos ao Clube da Sedução”, minissérie da Hulu lançada no Brasil pelo Star+, conta a história do Chippendales, mas seu foco é na complexa relação entre Banerjee e de Noia. A série tem início com Somen (Kumail Nanjiani) trabalhando em um posto de gasolina, atormentado por jovens na loja de conveniência e sofrendo xenofobia diariamente. Sob a gestão de Banerjee, os negócios vão tão bem que seu chefe, outro imigrante indiano, deseja que ele gerencie uma rede de postos, mas Somen tem outros planos - com o dinheiro que juntou ao longo de anos, alugou um espaço e resolve montar um… clube de gamão!
As coisas começam a caminhar quando ele conhece o promotor de baladas Paul Snider (Dan Stevens) e sua namorada, a coelhinha da “Playboy” Dorothy Stratten (Nicola Peltz). O primeiro episódio (de oito), em uma ótima montagem, ainda mostra as tentativas de fazer algo funcionar naquele espaço que parece fadado ao fracasso. Quando os três vão a uma festa em uma balada gay, com homens dançando, Banerjee tem a ideia do clube voltado para mulheres. A dinâmica se completa de vez com a introdução de Nick (Murray Bartlett, de “The White Lotus”), gerando ciúmes em Paul e transformando de vez a Destiny II, nome original da boate, em Chippendale.
“Bem-vindo ao Clube da Sedução” é ágil, sempre com algo acontecendo enquanto a trama principal se desenvolve. A série, no entanto, é melhor aproveitada por quem não conhece a história real - por mais absurdo que pareça, muito do que se vê em tela realmente aconteceu, inclusive as coisas mais improváveis. A série, claro, toma algumas liberdades criativas para potencializar a narrativa. Assim, alguns personagens são criados para representar várias pessoas e dar à trama um tom ainda mais dramático.
A recriação da Los Angeles dos anos 1980 é ótima, com figurinos, cabelos e maquiagens que conferem à série uma estética semelhante à de “Hora de Vencer”, que se passa no mesmo período, mas sem os exageros de edição que marcam a produção de Adam McKay sobre os Los Angeles Lakers. A narrativa também explora o hedonismo que dominava a Califórnia antes da epidemia de Aids e o medo do fracasso em uma sociedade consumida pelo sucesso e pelo glamour. Todos os personagens centrais, de alguma forma, lidam com o medo de passar despercebido, de não ser ninguém em Los Angeles.
Nesse clima, entre danças sensuais, alguma nudez, muita cocaína e alguns assassinatos, “Bem-vindo ao Clube da Sedução” tem espaço para discussões sobre racismo na figura de Otis (Quentin Plair), o único dançarino negro da trupe, uma figura fictícia criada pelo roteiro para reunir vários arcos, incluindo o do dançarino Hodari Sabubu, que confrontou Banerjee sobre o racismo em um episódio e teve resposta bem parecida com a que a Otis recebe do patrão.
A ironia está justamente no olhar da série para um racismo baseado no poder. Por mais que Somen, ou Steve, se considere um empreendedor capitalista, um fruto do sonho americano, ele ainda sofre xenofobia e um racismo que ele retransmite a Otis e aos clientes do estabelecimento, um ambiente, segundo ele, “classudo” no qual pessoas de cor eram proibidas de entrar.
Kumail Nanjiani é ótimo como o protagonista, um sujeito simpático e contido, que busca estar sempre no controle e não sabe lidar com o confronto. O texto desenvolve a rivalidade entre Banerjee e de Noia sem pressa, com nuances e camadas diferentes, deixando clara a relação de interdependência, mas também reforçando que basta uma faísca para tudo explodir (spoiler: tudo explode).
Um dos grandes méritos de “Bem-vindo ao Clube da Sedução” é sua constante e inevitável escalada de violência e de absurdos. A história de Banerjee toma rumos quase surreais à medida que o sucesso o consome, mas não vou entrar em arcos específicos aqui para não estragar a experiência de quem não conhece a história.
Ao fim, a série do Star+ é uma das narrativas recentes que melhor explora uma história real para um apelo pop, com o devido distanciamento histórico e se mantendo bem fiel aos fatos. Apesar do material de divulgação ruim, tornando a série pouco atrativa à primeira vista, “Bem-vindos ao Clube da Sedução” é divertida, violenta e com potencial enorme de surpreender quem não sabe ao certo o que esperar dela.
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