Um grupo de jovens bonitos em um cenário paradisíaco e colocados em situações limítrofes; poderia ser “Yellowjackets”, “The I-Land”, “The Wilds” ou “Outer Banks”, mas é “Bem-vindos ao Éden”, sucesso espanhol da Netflix que desde o início abusa da sensação de que já vimos essa história sendo contada antes.
A premissa é interessante: Zoa (Amaia Aberasturi) recebe uma mensagem que questiona "você é feliz?" seguida do convite para uma festa secreta com outros 99 jovens selecionados por suas redes sociais para participar do lançamento imersivo de uma nova bebida, a Blue Eden, em uma ilha paradisíaca. A festa sai do controle rapidamente, logo após a tal bebida ser servida e o caos se instaurar com pessoas tendo visões, outras brigando, outras vagando solitárias pela ilha... Eles, na verdade, são parte de um experimento e apenas cinco serão selecionados para viver no Éden, uma comunidade utópica autossustentável onde todos são iguais e vivem em harmonia.
É dito a eles que, após alguns dias por lá, eles poderão escolher entre voltar para suas rotinas ou permanecer naquele paraíso cheio de pessoas padrão sem grandes preocupações aparentes. É óbvio que esse livre arbítrio é apenas uma fachada para uma espécie de culto/seita bem estranha comandada por Astrid (Amaia Salamanca), algo logo percebido por Zoa, protagonista da série.
Isso tudo acontece antes do fim do primeiro episódio e tudo é devidamente explicado em diálogos expositivos - personagens organizadores de todo o esquema conversam entre si explicando todos os detalhes como se o outro não soubesse de nada. Essa falta de sutileza mistério é um dos grandes problemas de “Bem-vindos ao Éden”, pois a série logo deixa de ser atrativa e se torna apenas um suspense adolescente comum.
O texto é bem simples em construir relações e mostrar quem é quem entre os selecionados; além de Zoa, há África (Belinda Peregrín), uma cantora/influencer de sucesso, o rebelde e fanfarrão Charly (Tomás Aguilera), o corretíssimo Ibón (Diego Garisa) e Aldo (Albert Baró), que logo desconfia de tudo. Cada um deles tem seus motivos para estar ali e isso será explorado por Astrid e sua trupe para manipulá-los e mantê-los por lá.
A impressão inicial é boa, com várias possibilidades e até uma discussão acerca das personas criadas para as redes sociais, mas o roteiro se desenvolve de forma enfadonha, com viradas previsíveis e, às vezes, até risíveis - no quinto episódio, por exemplo, o texto trata como revelação algo percebido pelos espectadores no primeiro episódio. Ao invés de fazer com que o espectador se sinta especial por ter “descoberto” aquilo (é realmente bem óbvio) e desenvolver a história a partir dessa percepção, a série prefere subestimar a inteligência de seu público.
Outro problema está nas atuações. Com um elenco escolhido pela aparência e um texto simplório, os personagens só têm um tom durante todos os oito episódios de “Bem-Vindos ao Éden”, ou seja, ao final do oitavo episódio, eles serão exatamente as mesmas pessoas apresentadas no primeiro, sem nenhuma jornada de autoconhecimento, sem redenções, sem as surpresas tão necessárias em tramas desse estilo. Ainda, a série usa a muleta de desenvolver minimamente algum personagem secundário para matá-lo na sequência, como se pedisse que o público se identificasse com ele naquele momento. Curiosamente, uma morte que deveria ser bem explorada pelo texto com seu devido peso e as devidas consequências, é tratada quase com indiferença e só é lembrada quando uma personagem precisa de motivação.
É quase natural, assim, que a subtrama de Gaby (Berta Castañé), irmã mais nova de Zoa, acabe ganhando destaque. A jovem lida com a mãe viciada e a ausência do pai para descobrir o paradeiro da irmã - no Éden, afinal, os moradores não podem contatar o mundo externo. Se a série tiver uma segunda temporada - o sucesso e a métrica da Netflix indicam que deve ter - Gaby deve ter um papel mais relevante à trama principal.
Entendendo seu público e justificando a fama de que “só faz série para adolescentes”, a Netflix enche “Bem-vindos ao Éden” de intrigas juvenis para preencher seus oito episódios que poderiam ser quatro. A série mistura elementos de obras como “Elite” e até do fenômeno “Round 6”, da qual pega emprestado referências estéticas como as roupas e obviamente as consequências de não se seguir as regras daquele local.
Há também referências de séries de outras plataformas, como “Nove Desconhecidos” (Amazon Prime) e “White Lotus” (HBO), influências que ironicamente rendem os melhores momentos do novo sucesso da Netflix. “Bem-vindos ao Éden” é muito melhor quando deixa de lado suas tramas adolescentes e aposta na esquisitice da situação e daquele culto/seita, principalmente após o final da temporada, que adiciona um elemento fantástico à narrativa na que talvez seja a única virada capaz de causar alguma surpresa e ainda preparar o cenário para a segunda temporada.
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