É fácil dizer que “Birds of Paradise”, filme lançado nesta sexta (24) pelo Amazon Prime Video, é um “Cisne Negro” para adolescentes. É uma comparação atrativa e fácil, mas é também uma comparação preguiçosa. Enquanto o filme de Darren Aronofsky mergulha na obsessão e na degradação psicológica da bailarina interpretada por Natalie Portman, o escrito e dirigido por Sarah Adina Smith a partir do livro de A. K. Small tem identidade própria em uma história que é muito mais uma tentativa de desconstruir a imagem que se tem dos filmes de balé do que reforçar a rivalidade entre dançarinas.
O filme tem início quando a americana Kate (Diana Silvers, do ótimo “Fora de Série”), filha de uma família simples, chega a uma renomada escola de balé em Paris com uma bolsa de estudos que leva o nome de um jovem bailarino recentemente morto. Kate não tem tanto domínio sobre o corpo e dança há pouco tempo, antes, jogava basquete. “Você pode pular muito alto e se mover com muita força, isso pode fazer de você uma sensação na América, mas aqui é Paris, é tradicional. Bailarinas têm que ser leves e graciosas”, lhe é dito logo após o choque inicial.
A típica história do peixe fora d’agua, no entanto, não dura muito. Aos poucos, Kate se adapta, faz amizade inclusive com Marine (Kristine Froseth), uma das melhores bailarinas da escola e também irmã gêmea do jovem morto. O roteiro obviamente antagoniza as duas em um primeiro momento, mas logo revê essa dinâmica transformando-a em uma relação quase de codependência. Marine precisava de um parceiro desde a morte do irmão, espaço que Kate logo preenche.
Quando isso acontece, “Birds of Paradise” altera sua narrativa. Ao invés de antagonistas, Kate e Marine se tornam inseparáveis, uma dupla em busca da perfeição exigida pelo balé - "ou as duas ganham ou nenhuma ganha", prometem, em uma ingenuidade típica da juventude, mas também em uma promessa um tanto manipuladora. A história, então, se dedica ao balé, com boas sequências que mostram as dores causadas pela dança e o sacrifício físico dos bailarinos, e com a vilã ganhando a forma da diretora da escola, personagem de Jacqueline Bisset.
Como diz Felipe (Daniel Camargo), bailarino brasileiro da escola, “Balé não é sobre perfeição, balé é sobre sedução e sexo. Eles pagam pelo romance”, e o filme de Sarah Adine Smith leva isso a sério. “Birds of Paradise” se desenvolve sob um clima de perigo no ar, de que algo pode acontecer a qualquer momento. A escola é cheia de ambientes pouco iluminados e os quartos são escuros, o que dá ao filme uma ambientação similar à do “Suspiria” de Luca Guadagnino. O texto usa o sexo para criar e fortalecer vínculos - em uma escola cheia de jovens bonitos e também com bastante droga, os vínculos são bem fortes.
É interessante como o roteiro desenvolve Kate e Marine em direções opostas. A primeira tem o talento bruto e está doida para ser moldada; ela não se preocupa com a rigidez da diretora da escola ou com as coisas que precisa renunciar, pois precisa da bolsa para se tornar uma bailarina profissional. Marine, por sua vez, caminha na direção contrária desde a morte do irmão, sua alma gêmea, e se mostra cada vez mais longe das amarras da controladora mãe e das rígidas tradições do balé clássico.
A virada do texto que dá início ao terceiro ato funciona bem e cria o conflito de que o filme precisava para engrenar - mesmo com boas sequências de dança e um clima sensual, “Birds of Paradise” parece se arrastar após um primeiro ato apressado e um desenvolvimento maior do que o necessário. A relação de amor e ódio entre as protagonistas é reforçada pela excelente química em tela de Diana Silvers e Kristine Froseth, que se entregam aos papéis, fazem a maioria das cenas de dança e se deixam levar por suas personagens. O roteiro tem alguns momentos típicos das histórias para jovens adultos, como a balada psicodélica (que rende uma boa piada) e os diálogos por vezes bregas, mas nunca compromete.
Sarah Adina Smith constrói um filme com mais camadas do que o esperado e mostra entender a cadência e o jogo de cena do balé como um jogo de poder às vezes erótico. O lançamento da Amazon é um filme elegante tal qual o balé clássico, mas também tem a força e a bem-vinda esquisitice da dança contemporânea. Uma boa surpresa.
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