Nos anos 1980 e 90, a TV brasileira importou muito do que à época se chamava de “enlatados americanos”, que nada mais eram que as séries que faziam sucesso por lá. Nesse pacote, obras diversas como “Barrados no Baile”, “Plantão Médico”, “Profissão Perigo”, “Esquadrão Classe A”, "S.O.S. Malibu", “Melrose Place”, “Super Máquina”, “Magnum” e afins. Eram chamadas assim de forma pejorativa, mas não desmerecidamente - todas se encaixavam em uma fórmula, em um modelo narrativo que funcionava bem para a época; a série policial, o grupo de jovens bonitos.
Curiosamente, mais de três décadas depois e hoje com acesso a diferentes plataformas com catálogos gigantescos, vemos surgir outro fenômeno, o enlatado coreano. A tão falada e poderosa indústria cinematográfica da Coreia do Sul, que ganhou força exportando novelas nos anos 1990, hoje usa esse aprendizado com séries de forte influência dos conteúdos americanos dos anos 1990 e 2000. Claro, há obras como “Round 6”, “My Name”, “Sweet Home” e “All Of Us Are Dead”, que têm uma pegada mais autoral, mas a leva mais recente de séries coreanas de sucesso na Netflix é diferente.
Essa leva traz séries como a novelesca “O Rei de Porcelana”, a divertida “Uma Advogada Extraordinária”, a melodramática “Match VIP” e outras como “Love in the Moonlight” ou "Alchemy of Souls". Todo o soft power sul-coreano pode ser percebido pela quantidade de obras do país na Netflix, a mais global das plataformas de streaming, e pelo sucesso que elas fazem.
Uma das apostas recentes é “Café Minamdang”, que vem sendo lançada com dois episódios semanais (quatro já estão disponíveis). Disfarçada de policial, a série é um inevitável romance entre o xamã charlatão Nem Han-jun (Seo In-Guk) e a policial Han Jae-hui (Oh Yeon-seo). É curioso como a princípio a série parece algo diferente; Han-jun é um xamã dos vips, ajudando ricos e celebridades a escaparem de enrascadas até bem pesadas. Óbvio que de mágico ele não tem nada, apenas usa seu conhecimento para ler pessoas e conta com a ajuda de uma talentosa equipe para conseguir informações de seus clientes.
O caminho dos dois se cruza quando Jae-hui investiga um acidente cujo culpado é cliente do xamã, mas o texto não é sutil para entregar haver a mais nessa relação, deixando isso claro desde o início. Com flashbacks, a série mostra Han-jun como policial por quem Jae-hui, então uma adolescente, tem uma paixão platônica.
“Café Minamdang” é uma comédia que se assemelha muito ao formato de “novela das sete” aqui no Brasil, com romance, um pouco de ação, humor físico e algumas lições de moral. O roteiro faz questão de antagonizar ao máximo os dois protagonistas nos episódios iniciais para juntá-los adiante em (mais) uma história de amor proibido. Tudo na série é muito exagerado e potencializado por uma hiperdramatização, principalmente os coadjuvantes, garantindo algumas sequências engraçadas, mas também outras quase constrangedoras.
“Café Minamdang” é melhor quando se leva pelo menos um pouco a sério, colocando os protagonistas em narrativas opostas de um mesmo caso. Quase sempre procedural, ou seja, com um caso por episódio, a série desenvolve seu arco principal de forma lenta e perde tempo demais nos episódios que servem apenas para preencher a temporada de 18 episódios, os famosos fillers.
A série aposta nos clichês para criar o conforto e ambientar o espectador com facilidade; todos os arcos são genéricos e os personagens se encaixam em estereótipos que possibilitam uma identificação quase imediata do espectador, mas nunca ultrapassam os rótulos colocados neles inicialmente pela série.
“Café Minamdang” não é mais um exemplo da excelência da indústria cinematográfica coreana, mas sim da implacável indústria cultural e da inevitável padronização; saem as obras de autor, a criatividade, e entram obras recicladas, seguras, os tais “enlatados” que às vezes dominam tudo e se tornam a expressão máxima de um mercado - como as novelas brasileiras e mexicanas no mercado internacional. Isso não torna “Café Minamdang” uma série ruim ou que não mereça ser vista, pelo contrário, ela tem seus momentos e oferece um entretenimento razoável. Se é isso que procura, dê uma chance, mas se busca algo minimamente original, há muitas obras melhores disponíveis no streaming.
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