Crítico de cinema e séries, Rafael Braz é jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Camaleões": Bom suspense policial da Netflix se perde no final

Com Benício Del Toro como policial à frente de um homicídio, "Camaleões" tem boas ideias e boa construção de clima, mas se perde na inexperiência de seu diretor

Vitória
Publicado em 30/09/2023 às 02h00
Filme
Filme "Camaleões", da Netflix. Crédito: DANIEL MCFADDEN/NETFLIX

Em algum lugar de “Camaleões”, recém-lançado pela Netflix, há um grande filme policial. Dirigido por Grant Singer, diretor com carreira dedicadas a vídeo clipes, o filme estrelado por Benício Del Toro e Justin Timberlake sabe como criar uma atmosfera e até entende como prender o espectador com algumas boas viradas, mas falha em pouco explorar seu texto e o potencial que ele tem.

O filme acompanha Tom Nichols (Del Toro), um detetive que trocou a agitada Filadélfia por uma vida mais pacata no interior, tudo graças a um influente tio de Judy (Alicia Silverstone), sua esposa, que mexeu alguns pauzinhos por lá. Pouco depois da mudança, ele acaba responsável pela investigação do brutal assassinato de uma corretora de imóveis, cujo corpo foi encontrado pelo namorado, Will (Timberlake), em uma das casas que eles estavam tentando vender.

“Camaleões”, como um bom suspense policial, direciona o olhar do espectador para possíveis suspeitos. O primeiro, obviamente, é o próprio Will, mas logo surge um ex-namorado com um histórico um tanto conturbado e o vizinho, Eli (Michael Pitt), que praticamente implora para ser considerado suspeito, ambos devidamente caricatos e quase a personificação de um suspeito de alguma esquete cômica.

O texto não é nada sutil na construção desses suspeitos, com alguns deles sendo mostrados apenas em comportamentos absurdamente suspeitos e até criminosos – qualquer um que olhasse para Eli o consideraria o principal suspeito. É frustrante, assim, que essa forçada de barra para que o espectador compre a suposta culpa de Eli logo de cara praticamente o tira do rol de suspeitos, pois fica clara a intenção de o filme enganar o espectador. Diante disso, o filme faz algumas boas escolhas, como ampliar o escopo e tornar tudo um caso maior; há, claro, o assassinato, mas se a investigação desencadeasse também um grande caso de corrupção com pessoas poderosas envolvidas?

Filme
Benicio Del Toro e Alicia Silverstone em "Camaleões", da Netflix. Crédito: DANIEL MCFADDEN/NETFLIX

“Camaleões” tem uma boa construção de ambiente, uma introdução que a princípio remete a Martin Scorsese, mas inexplicavelmente opta por um caminho mais seguro e conservador. O filme se sustenta praticamente todo na capacidade de Benício Del Toro conduzir uma narrativa – simpatizamos com Tom logo de cara, mas ele parece sempre desconfiado, incomodado com algo. Se essa característica do policial funciona para o clima de tensão do filme, ela também reforça um pouco a incapacidade de o roteiro explorar seus personagens.

Um mergulho no mistério acerca do protagonista e sua esposa é ensaiado pelo texto, mas nunca ocorre. O público entende haver algo no passado deles que ainda incomoda, mas, ao mesmo tempo, é levado a crer em uma relação saudável. Da mesma forma, os personagens de Michael Pitt e Justin Timberlake são construídos de maneira medonha, quase como opostos, com os atores encaixados em papéis unidimensionais e pouco interessantes.

Filme
Justin Timberlake em "Camaleões", da Netflix. Crédito: DANIEL MCFADDEN/NETFLIX

Não é difícil imaginar alguns rumos do filme, mesmo com o esforço para confundir. É frustrante como “Camaleões” entrega seus passos, entregando viradas antes da hora e com seus personagens repentinamente se comportando de maneira suspeita – falta sutileza ao filme para manipular os sentimentos e a expectativa do público, o que é uma pena.

Com duas horas e quinze minutos de filme, “Camaleões” administra mal o tempo de projeção. A seu favor, Grant Singer é eficaz na construção do mistério e na ambientação, mas o diretor gasta mais tempo do que o necessário em arcos e pistas dispensáveis. É quase irônico que um filme longo como o novo policial da Netflix tenha tão pouco tempo guardado para seu terceiro ato, momento em que realmente se torna interessante e fisga seu público.

Ato Essandoh em "Camaleões", da Netflix
Ato Essandoh em "Camaleões", da Netflix

O terceiro ato parece incompleto não apenas por sua curta duração, mas principalmente pelo fato de o filme nunca ter desenvolvido o que julga ser uma recompensa. Quando as viradas surgem em tela, elas pouco representam para quem investiu 135 minutos naquele trama.

Ao fim, “Camaleões” é um suspense policial esteticamente interessante, com algumas boas ideias e um grande ator, mas que sofre com a inexperiência de seu diretor e com um texto genérico que parece querer reproduzir sem sucesso o trabalho de David Fincher (“Zodíaco”) e as tramas de Gillian Flynn (“Garota Exemplar”).

A Gazeta integra o

Saiba mais
Cinema Netflix Filme Rafael Braz Streaming

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.