Em 1980, um crime chocou os EUA pela violência e pelas pessoas envolvidas. A religiosa Candy Montgomery teria matado sua colega de igreja, a professora Betty Gore, com 41 machadadas. Candy nunca admitiu o ocorrido dessa forma e disse ter agido em legítima defesa, mas tinha um caso com o marido da amiga e teria cometido o crime ao ser confrontada sobre o fato.
Livros, documentários e programas de TV sensacionalistas já contaram a história de Candy Montgomery e agora, com a nova onda de conteúdos sobre crimes reais, os famosos ‘true crimes’, até demorou para que esse caso se tornasse um produto novamente. “Candy”, lançada no Brasil pelo Star+, recria o caso em forma de minissérie - a HBO Max também lança este ano “Love and Death”, baseada no mesmo caso, mas ainda sem data confirmada.
Em “Candy”, Jessica Biel vive a protagonista, uma mulher adorada pelos irmãos da igreja Metodista que frequentava, uma dona de casa dedicada ao lar e aos filhos. A personagem é construída totalmente em oposição a Betty (Melanie Lynskey), uma mulher deprimida, às voltas com um recém-nascido e que pouco conta com o suporte do marido, Allan (Pablo Schreiber), que trabalha viajando.
Essa construção é notável desde as primeiras cenas, ambientadas na noite anterior ao crime. Candy é mostrada ensaiando uma história bíblica ao lado do marido, já Betty acorda com o bebê aos prantos; ela levanta para cuidar enquanto Allan calmamente brinca com os cachorros e toma seu café da manhã sem grandes preocupações.
A minissérie não se apressa na apresentação, construindo personagens e ambientes com boa cadência, fazendo com que o público se aproxime das duas antes do fato. O primeiro episódio é macabro e quase anti-climático, se preocupando em construir a expectativa do público para o crime. Vemos Candy deixando a casa de Betty abalada e suja de sangue, mas é só.
A narrativa não-linear funciona bem no episódio inicial, mas perde força ao longo da série. Centrada obviamente em Candy, ao contrário de séries que preferem a história da vítima, “Candy” tem idas e vindas temporais para construir meticulosamente o caso da protagonista com Allan, motivo tratado à época como principal para o crime.
Esse ritmo mais lento traz prós e contras. Por um lado, é ótimo ao alimentar a expectativa, nos aproximando dos personagens e de suas motivações, mas, por outro, torna a narrativa cansativa em alguns momentos. Só o episódio final, com o julgamento do caso e algumas liberdades, é que quebra essa cadência.
Ao escolher contar a história de Candy, a série opta também por criá-la como uma personagem mais interessante do que Betty, retratada com a caricatura da depressiva socialmente inapta. A vítima é mostrada como uma professora odiada pelos alunos e uma esposa que liga para o chefe do marido gritando para reclamar dos horários, levando o espectador e não se apegar a ela. Em contrapartida, para conferir impacto ao fato e até para tentar justificá-los, o texto gasta tempo mostrando Candy como líder comunitária, uma peça chave na cidade e sempre disposta a ajudar o próximo; um pouco sociopata e narcisista? Sim, mas uma cidadã-modelo.
O roteiro de “Candy” toma liberdades criativas para conferir à minissérie arcos narrativos mais dramáticos, mas ignora alguns personagens que poderiam acrescentar camadas à série. Temos a impressão de ser parte do júri, ouvindo apenas a história de Candy - Betty, afinal, levou 41 machadadas e não teve a oportunidade de contar sua versão -, e sua visão sobre todos os personagens e acontecimentos, uma escolha textual compreensível, mas que ignora a história da vítima.
“Candy” seria uma série mais interessante e atrativa não apenas pela morbidez do ‘true crime’ se o texto fosse mais respeitoso com Betty, se a vítima fosse a atração tanto quanto a assassina. Ao final, a minissérie é eficiente no que se propõe a fazer e entrega o espetáculo agridoce comum às narrativas de crimes reais.
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