Uma das características dos filmes de guerra é colocar o espectador em um dos lados do conflito, normalmente o visto como heroico. Assim, acompanhamos há décadas histórias das duas grandes guerras mundiais, da Guerra do Vietnã e de diversos outros conflitos de maiores ou menores proporções. Por isso, é muito interessante a maneira como “Caranguejo Negro”, lançado nesta sexta (18) pela Netflix, funciona - o filme sueco não apresenta o conflito ou suas motivações, apenas coloca o espectador a missão que dá título à obra.
Em cerca de 15 minutos todo cenário está armado. Conhecemos Caroline Edh (Noomi Rapace) e sua filha dentro de um carro quando tiros ecoam, civis correm em desespero e homens armados surgem de repente. O filme logo dá um salto e encontramos a protagonista em um futuro próximo, carregando um fuzil e sendo conduzida para uma base aonde chega depois de um embate inexplicado no meio do caminho. Ao lado de outros cinco recrutas, Caroline é a última esperança para uma guerra dada como perdida. Com um patins de gelo, ela terá que percorrer centenas de quilômetros durante a noite sobre o oceano congelado para levar um artefato a uma base isolada.
“Caranguejo Negro” simplesmente joga o espectador em meio ao conflito sem apresentar os envolvidos e suas motivações. O filme dirigido por Adam Berg a partir do livro de Jerker Virdborg não se importa com essa resposta, como se não houvesse um lado a ser escolhido - é uma guerra, pessoas estão morrendo e se matando sem saber ao certo o motivo que levou seus líderes e iniciarem o conflito.
Essa escolha funciona para a mensagem que o filme quer passar, mas deixa tudo muito vago até o momento em que a intenção fica clara, o que acaba afastando o espectador da história até o início do terceiro ato. Existe a impressão de uma guerra vazia - filmes de guerra custam bastante dinheiro - e o nunca assistimos ao conflito em si, apenas a um recorte dele, uma operação secreta que passa por trás das linhas inimigas.
Em tela durante praticamente o filme todo, Noomi Rapace está ótima. Nos momentos mais calmos, Adam Berg acompanha a atriz com sua câmera quase como em um balé sobre o gelo; em contrapartida, quando o filme pede intensidade, a atriz transforma tudo em caos com certa naturalidade. A narrativa alterna a missão com alguns breves momentos de Caroline ao lado da filha, o que reforça as motivações da protagonista mesmo que o recurso seja realizado de maneira pouco eficaz.
Ironicamente, pois foge de algumas fórmulas da construção de filmes de guerra, “Caranguejo Negro” é previsível e recheado de clichês do gênero. Desde o início, é fácil prever alguns acontecimentos: o gelo quebra quando convém, vai haver brigas na equipe e o personagem que tiver um traço de desenvolvimento vai morrer. Quando cria um momento de tensão, lá pelo meio do filme, o texto resolve tudo rapidamente e ainda abusa das coincidências para tentar levar o espectador para aquele momento. O filme ainda desperdiça algumas boas premissas para se encontrar em discursos batidos como “é necessário destruir tudo para começar de novo”. Não funciona.
“Caranguejo Negro” tem boa premissa e uma ótima protagonista em uma atuação intensa. A opção por ser praticamente uma distopia, no entanto, afasta o espectador, pois nunca entendemos ao certo quem estamos acompanhando e quem são as partes naquela guerra, uma escolha que cobra seu preço ao diminuir a importância das decisões dos personagens e dos rumos daquele conflito.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.