O cineasta coreano Jung Byung-gil ganhou destaque internacional após a exibição de “A Vilã” (2017) em Cannes. Seu filme mais famoso coloca o espectador no ponto de vista de uma assassina em meio a grandes sequências de lutas - uma delas, inclusive, foi praticamente reproduzida no terceiro filme da franquia “John Wick”. Byung-gil parece ter gostado da fama de mestre da ação, pois retorna agora com “Carter”, lançado pela Netflix.
A premissa é simples: um homem (Jon Won) acorda em uma cama ensanguentada, sem memória alguma, e sendo perseguido pela CIA. Dentro de sua cabeça, uma voz passa a orientá-lo e diz a ele seu nome, Carter. A sequência inicial dá o tom do filme, com Carter sendo fugindo dos agentes da CIA, caindo em uma sauna sinistra em que pessoas são torturadas e onde todos parecem ter a missão de matá-lo.
Byung-gil mostra logo de cara a sua competência para filmar ação. Em um grande plano-sequência, Carter enfrenta dezenas (talvez centenas) de inimigos em coreografias divertidas e com muito sangue digital jorrando pela tela. O tom de “Carter” é marcado nos absurdos minutos iniciais, mas essa sequência está longe de ser a coisa mais absurda do filme.
O escopo do texto logo é ampliado, colocando o protagonista em meio ao início de um possível apocalipse zumbi (!!) e de uma trama golpista para acabar com a paz de uma possível Coreia unificada. Mesmo muitas vezes não funcionando bem, as escolhas do roteiro acabam sendo justificadas. A epidemia viral torna possível para Carter exterminar hordas e mais hordas de inimigos genéricos sem correr o risco de uma crítica à violência da trama. Já o confuso arco político possibilita diversas reviravoltas e traições que acabam pouco importando no resultado do filme.
“Carter” é um espetáculo de ação o tempo todo, com a sequência seguinte sempre superando a dimensão - e o absurdo - da anterior. Vendido com a grife de filme de ação, “Carter” precisa desse espetáculo para justificar sua existência. As coreografias são ultra criativas e sempre divertidas, com as cenas sempre utilizando os cenários e o ambiente como parte da ação. O falso plano-sequência do filme impressiona e, mesmo que seja fácil perceber cortes e transições, coloca o espectador dentro da ação.
Byung-gil busca fugir do óbvio nessas sequências e transmitir ao espectador o caos do momento; não há embates de um contra um em situações simples, há sempre mais elementos envolvidos. A câmera do diretor não para quieta, sempre passeando entre os envolvidos com agilidade impressionante, uma contribuição do coordenador de artes marciais do filme, Kwon Gwi Deok.
Merece destaque também a pouca utilização de computação gráfica nas cenas de luta, com atores e dublês fazendo “o impossível acontecer”, palavras do próprio Byung-gil, um apaixonado pelo mundo dos dublês desde o documentário “Action Boys” (2007), seu primeiro filme, que acompanha cinco aspirantes a dublê na Coreia.
Há, no entanto, problemas na execução de “Carter”. A computação gráfica que quase não é utilizada nas coreografias de ação é utilizada em excesso no sangue digital que jorra pelo filme e na construção de alguns cenários, com o auxílio de telas verdes/azuis. A escalada de absurdos tira a força do filme como obra de ação e o leva quase para um tom de comicidade involuntária.
Potencializado por essa escalada que deixa tudo em segundo plano, o roteiro de “Carter” também é confuso e pouco atrativo, o que é uma pena, pois o texto até levanta possibilidades interessantes sobre a influência do imperialismo dos EUA na Coreia do Sul e questões sobre uma Coreia unificada nunca são exploradas.
“Carter”, assim, acaba relegado a alcunha de filme de ação acerebrado, quase um primo coreano dos filmes “Adrenalina”, com Jason Statham. O filme preenche todos os requisitos e todos os clichês para isso - cenas de ação em uma sauna com pessoas nuas, em um trem em movimento e com helicópteros envolvidos, em um avião… Mas nada se iguala ao incrível embate durante uma queda livre.
É ruim ser considerado apenas um filme de ação? Talvez não, talvez seja justamente isso que o Jung Byung-gil buscava, mas a escolha encaixa “Carter” em uma bolha difícil de ser furada, sem construção de universo ou mesmo uma trama atrativa. O filme, ao fim, parece um amontoado de ótimas cenas de ação sustentadas por um fio de história que pouco importa.
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