A aguardada estreia de “Doutor Sono” (crítica aqui) resgata lembranças que datam de quatro décadas (não que me lembre…). Quando chegou aos cinemas, em junho de 1980, “O Iluminado” foi um fracasso. O filme de Stanley Kubrick, um clássico que ajudou a reinventar horror, foi mal avaliado pelos críticos e pelo público, ambos criticaram as diferenças em relação ao livro lançado por Stephen King três anos antes, um grande sucesso na época. Hoje considerado um dos melhores filmes da História, “O Iluminado” chegou a ser indicado ao Framboesa de Ouro em duas categorias, incluindo Pior Diretor; vale ressaltar que a “premiação” é de mau gosto e desrespeitosa, mas isso é pauta para outra coluna.
O que nos traz aqui é como o tempo altera o cinema. Quando lançado no mercado de VHS meses depois, a palavra de o filme não era “um terror preocupado somente com simetria estética, vazio e banal”, como disse Dave Kehr, do “Chicago Reader”, se espalhou. Logo aqueles que não foram aos cinemas conferir o filme o fizeram no conforto de suas casas e viram que “opa, talvez não seja um filme tão ruim quanto pintaram”.
Não foi a primeira e nem a última vez que o genial Stanley Kubrick teve um trabalho mal recebido. Em 1971, Roger Ebert, que anos mais tarde alçou “O Iluminado” no status de clássico do horror moderno, escreveu sobre “Laranja Mecânica”: “uma bagunça ideológica, paranoia direitista disfarçada de denúncia Orweliana”. Antes, em 1968, a recepção para “2001 - Uma Odisseia no Espaço” foi cruel - adjetivos como “pretensioso”, “chato” e “amador” foram usados assertivamente.
Kubrick sempre foi inovador, um artista à frente de seu tempo. Seus personagens eram desconectados com a realidade, distantes e normalmente levados a situações limítrofes. O cineasta olhava para frente para criar o presente; assim suscitou discussões sociais (“Lolita”, “De Olhos Bem Fechados”), sobre violência (“Laranja Mecânica”, “Nascido para Matar”), e influenciou gerações de diretores com seu apuradíssimo senso estético. Kubrick era um mestre das cores, dos quadros simétricos, da utilização de luzes e dos movimentos de câmera - foi um dos pioneiros no uso das steadicam ao passear pelos cômodos e corredores do hotel Overlook de “O Iluminado”.
Como exercício de percepção, experimente rever um dos filmes do cineasta, um daqueles a que você assistiu há mais de 10, 15 anos. Vi “De Olhos Bem Fechados” quando tinha 20 anos e agora, aos 39, revi o filme com sensação completamente diferente, muito mais pesada e pessoal.
Com duas décadas recém-completadas, “Clube da Luta”, de David Fincher, também não foi bem recebido em 1999: “uma montanha russa disfarçada de filosofia”, dizia a crítica do “Chicago Sun-Times”. Assim como “O Iluminado”, “Clube da Luta” ganhou força com o lançamento do DVD; com o filme circulando, o público logo percebeu que não se tratava apenas de um violento espetáculo estético; “Clube da Luta”, tanto o filme quanto o livro de Chuck Palanhiuk, é um discurso niilista, um recorte sobre uma geração descrente nas instituições tradicionais, pronta para consumir novos meios e discursos, algo que vivemos hoje, 20 anos depois.
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É exclusividade desses filmes? Óbvio que não! “Uma Linda Mulher”, “Alien”, os dois “Blade Runner”, “Aniquilação” (que acabou indo direto para a Netflix), “Filhos da Esperança”, “O Gigante de Ferro”, “O Mestre”, “Scott Pilgrim”... A lista é longa. Todos eles não são apenas bons filmes, mas obras influentes que “melhoraram” com o tempo, que pode ser cruel com alguns (outro assunto para outra coluna), mas também pode ajudar público e crítica a entenderem obras vanguardistas.
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