A primeira temporada de “Coisa Mais Linda”, lançada pela Netflix em 2019, levou à plataforma de streaming um Rio de Janeiro voltado para o mercado internacional desde os créditos iniciais, com uma versão em inglês para “Garota de Ipanema”. Situada no final da década de 1950, a série mostrava belos cenários de época, figurino e referências interessantes para contar a história em torno de Maria Luísa (Maria Casadevall), uma jovem rica de São Paulo que levou um golpe do marido e acabou cheia de dívidas no Rio de Janeiro. Encantada com a Cidade Maravilhosa e o pulsante surgimento da Bossa Nova, Malu decide transformar o que seria o restaurante da família em um clube de música, o tal “Coisa Mais Linda”.
Tudo isso se desenvolve ao mesmo tempo em que Malu encontra sua melhor amiga, Lígia (Fernanda Vasconcellos), e cria laços com Adélia (Pathy Dejesus) e Theresa (Mel Lisboa), todas lidando com questões de relacionamentos profissionais e sociais - o Rio, à época capital do país, tinha uma aristocracia machista e racista.
Inicialmente vendida como uma série que ofereceria um mergulho de época no Rio, “Coisa Mais Linda” se apresenta mesmo é como uma trama de libertação, emancipação e quebras de paradigmas. Todas as protagonistas são mulheres às voltas com uma sociedade em que não se encaixam. Quando se aprofunda nessa discussão, a série se torna uma boa jornada de descobertas não só para as personagens, mas para a audiência que se enxerga nelas.
Quem assistiu à primeira temporada sabe que o gancho deixado pelo roteiro para uma segunda leva de episódios é forte - “Coisa Mais Linda” retoma sua história logo após esses acontecimentos. A segunda temporada traz novas camadas à série e algumas pequenas alterações na dinâmica, com novos personagens e novas histórias.
A série também deixa um pouco de lado alguns de seus vícios novelescos de linguagem (ainda bem presentes em alguns momentos) e aposta em algumas narrativas mais próximas do cinema ou das séries de TV estrangeiras. Há, assim, diferentes arcos espalhados pelos seis episódios que integram a temporada, com cada personagem mais uma vez vivendo um drama próprio além de participar do arco principal que conduz o texto.
O roteiro reforça os aspectos de representatividade com a chegada de Ivone (Larissa Nunes), irmã de Adélia que tem o sonho de ser cantora e encontra no Coisa Mais Linda um espaço perfeito para o início de carreira. O clube, porém, passa por maus bocados e tem seu futuro ameaçado. A série também retorna à questão da paternidade, já presente com Capitão (Ícaro Silva) na primeira temporada, agora na chegada de Duque (Val Perre) e na continuidade da trama de Nelson (Alexandre Cioletti).
Apesar de ser uma série centrada em mulheres, seus personagens masculinos também merecem destaque - é interessante perceber como reconstroem seus conceitos a partir de seus encontros com as protagonistas. Mesmo em segundo plano, o já citado Nelson lida com o sofrimento da filha e de Adélia em uma sociedade racista, algo antes distante de sua realidade. Também vemos transformações em Roberto (Gustavo Machado), que se abre para um novo mundo a partir de seu relacionamento com Malu, e até em Capitão.
Há, sim, questões de ritmo que podem incomodar o espectador. Com apenas seis episódios, a temporada parece curta e com algumas tramas apressadas. Os dois episódios finais são maiores, com cerca de 50 minutos cada, mas ao invés de resolver com calma conflitos criados anteriormente, simplesmente vira a página e apresenta novos problemas, com novas dinâmicas, e também os resolve sem a calma necessária. Os arcos apresentados nos dois episódios finais, se melhor desenvolvidos, poderiam muito bem ser o foco de uma nova temporada com carga dramática forte e muito encanto musical.
“Coisa Mais Linda” é uma série curiosa. Disfarçada de um conteúdo leve e talvez “bobinho”, ela consegue fazer o espectador refletir sobre seus privilégios e a maneira como trata todos com quem convive. A música, protagonista em um dos momentos mais emocionantes da temporada, e o Rio de Janeiro, outrora chamarizes para a série, servem de temperos e até de fios condutores, mas não são os atrativos principais.
A série tem personagens bem desenvolvidas, atrizes em ótimas atuações (Mel Lisboa é um espetáculo de atriz) e um roteiro totalmente centrado na empatia, na dor de cada um e na liberdade de escolhas. Não é perfeita, mas é urgente e emocionante, uma série a que dá vontade de continuar assistindo, acompanhando as histórias e as lutas daquelas mulheres.
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