Há uma grande sacada em “Com Carinho, Kitty”, série da Netflix derivada da trilogia de filmes “Para Todos os Garotos…”. Ao contrário dos filmes protagonizados Lana Condor a partir dos livros de Jenny Han, a nova série se afasta das comédias românticas e abraça o atualmente popular formato dos dramas adolescentes coreanos e todas suas convenções.
A série tem início com Kitty (Anna Cathcart), irmã de Jean, a protagonista dos filmes, decidida a se reconectar geograficamente com seu namorado coreano, Dae, e às origens familiares de sua saudosa mãe. Para isso, ela se candidata a uma vaga em uma escola coreana, a mesma em que sua mãe estudou, sem que ninguém soubesse. A série não desperdiça tempo explicando esse processo ou lidando com os possíveis conflitos familiares que essa escolha geraria na família de uma adolescente, mas a verdade é que isso pouco importa.
O primeiro episódio coloca todas as peças em movimento logo nos primeiros momentos – em menos de dez minutos, Kitty já está em Seul, na Coreia do Sul, para surpreender Dae na nova escola. Em um daqueles eventos que só acontecem na ficção (e que o texto não tem vergonha nenhuma de utilizar), ela acaba descolando uma carona para seu destino com Yuri (Gia Kim), justamente a menina com quem Dae está se relacionando.
Para apresentar o cenário e introduzir situações e personagens, a série abusa do didatismo e dos diálogos expositivos logo de cara. Por exempllo, após uma situação estranhíssima com a diretora da escola, Kitty reforça o que acabamos de ver e sentir. O recurso da narração em off, de vozes na cabeça, é uma constante na série, mas a sensação incômoda se esvai no decorrer da série.
A série inicialmente se constrói nas diferenças culturais e no não-pertencimento de uma adolescente americana na terra de sua mãe, mas logo parte para a universalidade das relações humanas. Em dez episódios de cerca de meia hora cada, a série coloca Kitty em todas as situações possíveis – dormitório errado, problemas com o idioma, um segredo na relação de Dae e Yuri (que fica exposto desde o início) e até um passado misterioso para sua mãe.
É necessário ter em mente que “Com Carinho, Kitty” é um produto diferente dos filmes, pegando apenas personagens emprestados, o que é ótimo, pois não exime da necessidade de apresentar novas pessoas e suas histórias. Tudo na nova série remete ao estilo coreano de se contar histórias, do exagero comportamental de personagens aos padrões narrativos cheio de viradas e surpresas, característica que os k-drama pegam emprestadas das novelas, assim como os ganchos ao final dos episódios.
“Com Carinho, Kitty” é uma série adolescente e utiliza uma linguagem para se aproximar de seu público alvo. Os jovens parecem viver em uma realidade paralela, em um mundo em que tudo é muito rápido e imediato, o que confere à trama um ar fantasioso, de resoluções imediatas para conflitos e mudanças comportamentais repentinas. Nada disso, vale ressaltar, é uma crítica, é justamente o contrário, a construção de uma identidade “teen” desenvolvida em cima de situações irreais e coincidências nem sempre muito críveis, mas levadas a sério como se fossem as coisas mais importantes do mundo.
Talvez para reforçar a sensação de Kitty estar sozinha em um lugar estranho, o texto constrói quase todos os personagens que a cercam como vilões – isso aproxima o espectador da protagonista, nos levando à revolta de “por que todos a tratam tão mal?”. Até surpreende que a série tenha seus personagens falando coreano durante boa parte do tempo, reforçando o fato de estarmos diante de um drama teen coreano.
A série é divertida, ágil e, na maior parte do tempo, adorável. Passado o conflito inicial e deixando de lado o aspecto romântico, a série ganha força ao apresentar ao público a cultura coreana contemporânea a partir do encantamento de Kitty com as tradições de seus antepassados. “Com Carinho, Kitty” é meio ridícula e confusa, mas assim é a adolescência.
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