Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

Com embalagem "cult", "Eternos" se perde em suas ambições

Dirigido pela vencedora do Oscar Chloé Zhao ("Nomadland"), "Eternos" traz pegada mais contemplativa e ambiciosa para o Universo Cinematográfico Marvel

Vitória
Publicado em 04/11/2021 às 02h46
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Filme "Eternos", da Marvel. Crédito: Marvel Studios/Divulgação

Não se deixe enganar pela embalagem. Apesar de toda a roupagem cult, algumas cenas meio filosóficas existenciais e a assinatura da cineasta Chloé Zhao, vencedora do Oscar por “Nomadland”, “Eternos” é (mais) um filme de super-heróis, para o bem e para o mal, e traz exatamente o que se espera de um lançamento da Marvel.

“Eternos” é, acima de tudo, um filme sobre memória, aceitação e construção de uma identidade; por acaso, no meio disso tudo existem alguns deuses superpoderosos e imortais. Os personagens criados pelo lendário Jack Kirby em 1976 são alienígenas que chegaram à Terra há mais de 7.000 anos para proteger o planeta dos Deviantes, alienígenas monstruosos (em um primeiro momento) que vieram ao nosso planeta para eliminar a população. A guerra entre as espécies durou milhares de anos, mas há séculos não surge um novo Deviante, o que tornou os Eternos um tanto “desnecessários”, aguardando apenas a ordem superior para retornarem a Olympia, seu planeta de origem.

Enquanto o chamado não chega, os dez Eternos se misturaram aos humanos, vivendo entre eles e levando vidas normais - o tão normal quanto pode ser a vida de um poderoso imortal entre os terrestres. Isso, claro, até um forte Deviante surgir em Londres e atrapalhar a noite de Sersi (Gemma Chan) e Duende (Lia McHugh). Sorte a delas é que o poderoso Ikaris (Richard Madden), uma espécie de Superman dos Eternos, aparece para conter a ameaça e também para criar um climão entre Sersi e o namorado, Dane (Kit Harrington), pois é claro que Sesi e Ikaris têm um longo histórico.

Com a volta dos Deviantes, é hora de reunir a velha trupe novamente. Sersi, Duende e Ikaris partem então em busca dos outros sete colegas: Kingo (Kumail Nanjiani), Thena (Angelina Jolie), Phastos (Brian Tree Henry), Druig (Barry Keoghan), Makkari (Lauren Ridloff), Gilgames (Ma Done-Seok) e Ajak (Salma Hayek), a chefe da missão enviada à Terra. Cada um deles, obviamente, tem seus superpoderes.

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Filme "Eternos", da Marvel. Crédito: Marvel Studios/Divulgação

É nesse momento que o filme deixa a urbana Londres para se aventurar pelos belíssimos cenários vistos em todas as prévias - colaborador de longa da do MCU, o diretor de fotografia Ben Davis (“Três Anúncios Para um Crime”) entende o cinema de Chloé Zhao e enche o “Eternos” de cenários de beleza natural aberta, não muito diferente do que a própria Zhao fez em “Nomadland”.

Com um grupo de dez personagens principais, a cineasta prefere desenvolvê-los como uma equipe em flashbacks que colocam os heróis em momentos históricos da humanidade. Conhecemos um pouco da dinâmica da equipe, dos inevitáveis relacionamentos que surgem nela e, mais importante, alguns diferentes pontos de vista sobre o que estão fazendo e sobre como estão cumprindo sua missão.

Mesmo que todos tenham algum desenvolvimento, quase todos bem eficazes, e momentos para chamar de seus, alguns inevitavelmente têm mais tempo de tela que outros. Assim, a narrativa é conduzida pelo trio inicialmente introduzido, com os outros funcionando como escada para algumas viradas ou como excelentes alívios cômicos, caso de Kingo e seu mordomo, Karun (Harish Patel). Com um elenco diverso, “Eternos” também foi alardeado por ter a primeira cena de sexo do Universo Cinematográfico Marvel e, ainda, o primeiro herói gay. A cena obviamente não tem nada que não possa ser exibido na hora do almoço na TV aberta, mas o relacionamento de Phastos é interessante, tratado de forma natural e garantido uma profundidade ao personagem não por ser gay, mas por ter escolhido estar entre os humanos.

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Filme "Eternos", da Marvel. Crédito: Marvel Studios/Divulgação

“Eternos” é muito melhor quando tem a assinatura de sua diretora. Chloé Zhao trabalha bem a construção da intimidade entre os heróis e nos faz entender o que move cada um deles. A longa duração (154 minutos) permite que a trama desacelere e respire, criando esse clima intimista reforçado pelas atuações. As já citadas belas paisagens dão grandiosidade ao filme ao invés dos cenários digitais nas famosas telas verdes; em um filme que quer tratar deuses como humanos, tê-los próximo da realidade faz diferença. Não importa se eles são poderosos imortais há milhares de anos por aqui, seus dramas não são tão diferentes dos nossos - amor, aceitação, traição, sacrifício, empatia, mudanças…

Como filme de super-heróis, no entanto, “Eternos” pouco ousa e traz fórmula batida. Sim, o clichê oferece conforto e não incomoda o espectador habitual, entregando a ele exatamente o que ele espera encontrar. Assim, o texto traz as viradas nos momentos habituais e as inexplicáveis explicações para que todo mundo entenda tudo sem grande dificuldade; o que não é para ser perfeitamente entendido, como as cenas durante e após os créditos, não é explicado.

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Filme "Eternos", da Marvel. Crédito: Marvel Studios/Divulgação

O roteiro traz algumas boas piadas com o universo Marvel e explicações sobre algumas questões como a famosa “por que eles não ajudaram contra Thanos”, entregue logo no início da projeção. Algumas coincidências, é importante ressaltar, são difíceis de serem digeridas, mas não tão difíceis assim de serem compreendidas, afinal, estamos falando de um lançamento Marvel/Disney.

“Eternos” é deliciosamente ambicioso em sua construção, ao tratar deuses com complicados dramas humanos e a dedicar bastante tempo de seu texto a isso. Alguns combates são bastante inventivos, como as sequências de Makkari e Phastos no terceiro ato. Apesar disso, há alguns excessos de computação gráfica - aquela cena da Angelina Jolie que viralizou não era uma cena não-finalizada e está, sim, no filme.

Ao mesmo tempo, o filme é irritantemente comum ao apresentar soluções imediatas para qualquer conflito surgido. “Eternos” também se perde em seu escopo, ao tirar demais sua história das questões humanas e levá-la para um plano cósmico de imediato, “gastando”, assim, um possível e interessante vilão, uma ameaça surpresa e uma imparável força na mesma tacada, de maneira quase descartável.

Assim como “Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis” levou o universo dos filmes de ação asiáticos para o MCU, “Eternos” leva a pegada de drama independente americano e até um pouco de cinema europeu, com ritmo mais cadenciado e desenvolvimento nem sempre a partir de embates físicos. A ideia de levar gêneros para dentro dos filmes de heróis é interessante, mas a narrativa precisa se desvencilhar mais das amarras impostas.

O irônico é que o trabalho de Chloé Zhao funcionaria muito bem como um filme independente, mas faz questão de se manter fiel às estruturas e às fórmulas do MCU, criando possibilidades e ganchos para ampliar o universo, para realizar mais filmes, vender novos produtos e novas narrativas. Grandioso por essência, “Eternos” se perde em suas ambições; o filme tenta ao mesmo tempo ser intimista e grandioso, humano e cósmico, contemplativo e cheio de ação. Chloé Zhao se esforça e se sai bem em alguns aspectos, mas é impossível ser tudo isso sem sacrificar um pouco de cada característica.

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