“Como Seria Se…”, lançado nesta quarta (17) pela Netflix, inicialmente parece uma comédia romântica e até se vende como tal, mas o filme dirigido pela queniana Wanuri Kahiu (do bom “Rafiki”, disponível na Globoplay) logo se mostra surpreendentemente bem mais complexo do que uma história de encontros e desencontros protagonizados por uma jovem após a noite de formatura.
Após uma relação casual com seu melhor amigo, Gabe (Danny Ramirez), às vésperas da formatura, Natalie (Lili Reinhart, de “Riverdale”), vomitando muito, faz um teste de gravidez - o enjoo pode ser causado por um sushi de procedência duvidosa ou pelo sexo com Gabe. É neste momento que “Como Seria Se…” se separa em duas narrativas, cada uma delas de acordo com o resultado do teste.
O roteiro da estreante April Prosser é bom ao construir duas Natalie diferentes em cada arco, mas mantendo a essência da personagem. Em uma delas, a jovem se muda para Los Angeles com a melhor amiga, Cara (Aisha Dee), em busca do sonho de trabalhar com animação. Na Califórnia, ela conhece o bonitão Jake (David Corenswet) e coloca seus planos em movimento. No outro arco, porém, decidida a ter o bebê, ela se muda com Gabe para a casa dos pais para aguardar o nascimento da pequena Rosie, mas abandona seus sonhos antigos.
“Como Seria Se…” tem um texto inesperadamente sóbrio para o tipo de filme. Nos dois arcos, as coisas acontecem de forma natural na vida de Natalie, sem exageros ou muletas de roteiro para sustentar as histórias. O filme é esperto ao usar o fato de Natalie ser animadora/desenhista para introduzir algumas artes simbolizando passagens de tempo. A direção de arte de Christy Gray é ótima e confere ao filme um ar de cinema independente ao quebrar a narrativa padrão - as animações contam histórias e ambientam o espectador de detalhes, tirando a obrigação do didatismo do texto.
Em ambas as narrativas, “Como Seria Se…” é um filme confortável e leve. As situações vividas por Natalie, profissionais e pessoais, são todas de fácil identificação com o público, que consegue se relacionar com a protagonista em suas escolhas. O filme faz questão de ressaltar não haver um caminho certo ou mais fácil, com encontros, desencontros e obstáculos em ambos os arcos.
Um grande acerto do roteiro é saber usar fórmulas pré-estabelecidas e se aproveitar do conforto gerado por elas, mas sem optar sempre pelo caminho mais fácil. Seria cômodo e até esperado que o filme partisse para uma narrativa sobre a inevitabilidade do amor, que de um jeito ou de outro, almas gêmeas se encontrariam em algum momento, mas “Como Seria Se…” foge desse caminho.
Ao invés disso, o filme de Kahiu se sustenta em jornadas de amadurecimento, em escolhas, renúncias, nos tombos e na redenção da vida adulta; há as inevitáveis coincidências, mas elas funcionam quase como um easter egg do outro arco e o texto nunca opta por elas como a solução para algum conflito.
A estrutura de duas linhas narrativas distintas não é bem uma novidade, se assemelhando mais do que o necessário com “De Caso com o Acaso” (1998), com Gwyneth Paltrow, mas as histórias se repetem também fora da dramaturgia. A construção de personagens de “Como Seria Se…” funciona, principalmente Natalie e Gabe, mas Cara e Jake também cumprem seus papéis na trama. Os pais da protagonista, vividos por Luke Wilson e Andrea Savage, garantem um alívio cômico para um filme que consegue ser dramático sem recorrer ao melodrama, sempre leve e com os dois pés fincados em possibilidades totalmente reais.
Justamente por criar essa identificação e por lidar de formas diferentes com o amadurecimento pelo qual todos passam, o filme de Wanuri Kahiu funciona tão bem. “Como Seria Se…” se apoia na simplicidade e em respostas para uma pergunta que todos já se fizeram.
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