Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Consumidas Pelo Fogo", da Netflix, se perde em viradas e coincidências

Adaptação do mangá de mesmo nome, "Consumidas Pelo Fogo" tem bom ritmo e um festival de reviravoltas nem sempre muito boas

Vitória
Publicado em 18/07/2023 às 20h26
Série japonesa
Série japonesa "Consumidas Pelo Fogo", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Há no título de “Consumidas pelo Fogo”, e na maneira como a Netflix vende a série japonesa, a ânsia por vingança, uma expectativa meio “Revenge” ou, para ser mais atual, a ótima coreana “A Lição”, uma narrativa que recompense o espectador ao final, que justifique toda a jornada da protagonista.

Adaptada por Arisa Kaneko a partir do mangá de Moyashi Fujisawa, a série acompanha Anzu Murata (Mei Nagano) em sua busca por reparação histórica. Há 13 anos, Anzu e sua família eram ricos, bonitos, uma família de propaganda de TV. Um dia, porém, a casa da família pega fogo e toda a culpa recai sobre a matriarca Satsuki (Michiko Kichise), que, atormentada, sofre com um grave transtorno de estresse pós-traumático. Sem se importar muito com isso, o pai de Anzu se casa com a melhor amiga da mãe, Makiko (Kyôka Suzuki), uma mulher que parecia invejar a vida de Satsuki, sua casa e sua família.

Quando encontramos Anzu, ela se apresenta como Shizuka e chega para trabalhar como diarista na casa de Makiko, agora uma modelo/influencer/escritora muito famosa por seus cuidados com a casa. A ideia da jovem é encontrar provas que sustentem sua teoria de que, na verdade, foi Makiko que colocou fogo na casa dos Murata para roubar a vida de Satsuki. Tudo isso é explicado em menos de 15 minutos do primeiro episódio, deixando muito tempo livre para a história se desenvolver.

“Consumidas Pelo Fogo” funciona inicialmente como o suspense que promete ser, com Anzu desvendando alguns segredos de Makiko, que passa longe de ser a influencer good vibes que vende em suas redes sociais. Como diarista e com acesso livre a toda a casa, Anzu descobre o motivo pelo qual não pode limpar o segundo andar e também se reconecta com um dos filhos de sua nova chefe, um rapaz com um passado (e também um presente) meio misterioso.

Série japonesa
Série japonesa "Consumidas Pelo Fogo", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

É interessante como a série pouco se desenvolve de fato, suprimindo algumas informações existentes no mangá talvez para aumentar o mistério e as surpresas. Anzu tem pouquíssimas provas, mas tem convicção (nunca uma boa combinação…) de que Makiko culpou sua mãe e acabou com a vida dela. Mesmo que não permaneça sempre no mesmo lugar, incluindo alguns arcos para coadjuvantes, “Consumidas Pelo Fogo” pouco se desenvolve em sua trama principal.

Anzu, por exemplo, não tem nenhum outro traço de desenvolvimento além de querer se vingar – a cena usada para justificar sua trajetória é sempre a mesma: a mãe de joelhos, a casa pegando fogo e Makiko com um leve sorriso de satisfação. Ainda, a única “prova” que a protagonista tem é bem superficial e não justifica nada, oferecendo a abertura necessária pelo texto para sua maior característica, a reviravolta.

Série japonesa
Série japonesa "Consumidas Pelo Fogo", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

“Consumidas Pelo Fogo” tem um ritmo surpreendentemente bom mesmo sem muitos acontecimentos relevantes durante a maior parte do tempo. Os oito episódios de cerca de 45 minutos parecem ser muito, principalmente ao dar uma olhada no mangá, uma história curta, mas o roteiro de Arisa Kaneko é esperto o suficiente para não tornar tudo cansativo. Uma das estratégias usadas é sempre, mas sempre mesmo, acabar o episódio com um grande gancho, uma promessa de revelação bombástica que nunca é resolvida logo do início do episódio seguinte. É uma trapaça? Sim. Pode incomodar? Também, mas funciona para manter o espectador atento o tempo todo.

O maior problema da série é sua ânsia por reviravoltas – algumas fazem sentido e são até esperadas, mas o texto nem sequer dá dicas de outras, que pegam o espectador de surpresa justamente pela falta de construção. Da mesma forma, a série depende muito de algumas conveniências, uma informação que chega na hora exata, uma coincidência, uma visão repentina ou uma lembrança no momento oportuno.

Série japonesa
Série japonesa "Consumidas Pelo Fogo", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Essas muletas tornam “Consumidas Pelo Fogo” uma série bem fácil, uma história que nunca desafia seu público, ainda mais ao se analisar o arco dos personagens ao final dos oito episódios. A série normaliza alguns comportamentos problemáticos e até violentos, quase temendo tornar algum personagem menos atrativo. A série ao menos teve o bom senso de tirar de seu texto uma cena de violência sexual presente no material original.

A série da Netflix tem a pegada novelesca e expositiva das produções japonesas, com tudo o tempo todo explicado em diálogos didáticos, pois a série eliminou alguns arcos do mangá e precisa explicar suas viradas. É justamente por isso, por essa facilidade de digestão, que se oferece com uma obra de grande apelo popular. Ao fim, “Consumidas Pelo Fogo” tem uma boa premissa e um ritmo atrativo, mas peca pela falta de coragem ao apostar em saídas fáceis e em algumas reviravoltas mal construídas.

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