Não demora muito tempo após o início de “Gunpowder Milkshake” (“Coquetel Explosivo”, no Brasil) para o filme entregar sua principal influência, a franquia “John Wick”. O filme dirigido e escrito por Navot Papushado, em parceria com Ehud Lavski no roteiro, é pouco original, mas desperta a atenção principalmente pela roupagem meio neon.
“Existe um grupo de homens chamado A Firma. Eles comandam as coisas há muito, muito tempo. Quando eles precisam de alguém para arrumar a bagunça, eles me enviam”, narra Sam (Karen Gillian) enquanto executa um homem em um cenário escuro, misturando o noir ao neon. Algo deu errado em sua missão, mas o filme logo não nos mostra os acontecimentos de imediato.
A narrativa nos transporta ao passado, para a lanchonete chamada Gunpowder Milkshake, local em que encontramos Sam jovem (Freya Allan) enquanto aguarda sua mãe, Scarlet (Lena Headey). Scarlet precisa desaparecer, mas não diz por quanto tempo e nem para onde vai. Voltando ao presente, é o momento em que conhecemos Nathan (Paul Giamatti), o chefe da tal Firma, que aparece para reclamar com Sam sobre o massacre que ela cometeu na última missão, mas também para enviá-la para uma nova. Não demora e Sam se torna um alvo da organização para a qual trabalhava. Agora ela contará com a ajuda da Irmandade, um grupo de assassinas disfarçadas de bibliotecárias do qual Scarlet era integrante.
Disponível na Amazon Prime Vídeo, “Coquetel Explosivo” tem uma estética colorida e uma trilha sonora pop que criam um ar meio de história em quadrinhos com influência oriental, não muito diferente do que “Kate” fez recentemente na Netflix e, claro, de “Kill Bill”. A ambientação é interessante, o argumento também, mas nada é o suficiente para salvar o filme de diálogos constrangedores e sequências que até podem ser bem filmadas, mas não
A impressão que fica é de que Navot Papushado assistiu a “John Wick” e pensou “posso fazer igual”, bastariam alguns rostos famosos dando porradas em bandidos inacabáveis. Até as regras do universo são copiadas - a tal lanchonete que dá o título original ao filme é um lugar onde não se pode entrar armado, quase o Hotel Continental do universo de “Coquetel Explosivo”.
Papushado parecia ter na cabeça os cartazes e o trailer do filme, como se fossem o produto final cheios de referências ao cinema de Quentin Tarantino, dos quadrinhos de Frank Miller e com influências orientais recentes. O cineasta, no entanto, não demonstra ter a expertise de filmes do gênero; parece ser o sujeito com conhecimento teórico, mas com uma enorme dificuldade de colocar suas ideias em prática.
O texto tenta criar personagens “peculiares”, como a calma bibliotecária vivida por Carla Gugino, mas desperdiça o talento do elenco de apoio, nomes como Gugino, Angela Bassett e Michelle Yeoh. É claro, desde o primeiro momento, que em algum ponto as veremos em ação, e é até esteticamente interessante quando isso acontece - em várias sequências, “Coquetel Explosivo” parece uma peça publicitária colorida, viva, mas pouco imaginativa.
Para “humanizar” a protagonista, o roteiro coloca uma criança em seu caminho. A parceria de Sam com a pequena Emily (Chloe Coleman) rende bons momentos, mas o recurso de simular uma maternidade e despertar o tal “instinto maternal” para conferir alguma profundidade a personagens construídas como “objetivas” e “frias” é uma muleta de roteiros normalmente escritos por homens, como é o caso em “Coquetel Explosivo” (e também do já citado "Kate").
Algumas sequências funcionam bem, como a do hospital, quando o filme ganha um ar de originalidade que combina com sua estética. Na maior parte do tempo, porém, “Coquetel Explosivo” é previsível e derivativo, cheio de soluções ex-machina, inclusive utilizadas em sequência, e com um conflito que não faz muito sentido.
Sam vira alvo por cumprir sua missão para A Firma e matar o filho de um chefão. O chefão, obviamente, quer matar Sam, mas pouco se importa com os mandantes. Cabe à protagonista acabar com essa cumplicidade masculina, e talvez seja essa a mensagem, mas é difícil imaginar que seja algo intencional.
“Coquetel Explosivo” tem estilo e rostos conhecidos, mas não passa de um “John Wick” genérico, com cores neon, protagonizado por mulheres e com ação que não se aproximam das filmadas na franquia estrelada por Keanu Reeves. Algumas boas sequências não evitam que o roteiro de pareça um arremedo de diálogos e situações para amarrar as cenas pensadas por Papushado.
Lançado pela Netflix em julho no mercado internacional, o filme teria distribuição nos cinemas brasileiros e por isso não chegou à plataforma. Talvez tenha faltado confiança para colocar o filme no circuito e ele tenha encontrado na Amazon Prime Video uma casa mais confortável e um terreno menos crítico e frustrante que as salas de cinema. A ideia agora é preparar terreno e conquistar algum público para a já confirmada continuação.
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