Crítico de cinema e séries, Rafael Braz é jornalista de A Gazeta desde 2008. É também colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e apresenta semanalmente o quadro Em Cartaz

"Corpos": Inteligente e misteriosa, série da Netflix é ótima

"Corpos" adapta a garphic novel homônima de Si Spencer em uma história policial de ficção científica para os saudosos de "Dark"

Vitória
Publicado em 20/10/2023 às 21h12
Série
"Corpos", da Netflix, é adaptação da HQ homônima de Si Spencer. Crédito: Matt Towers/Netflix

Lançada pelo selo Vertigo, em 2015, a graphic novel “Corpos”, de Si Spencer (1961 - 2021), não foi um grande sucesso de público, mas agradou boa parte da crítica. Spencer já tinha experiência de séries de TV como “Torchwood” e sua HQ, em oito edições, era um produto pronto para ser adaptado para as telas, com bons personagens, boas viradas e uma estrutura que funcionaria em formato seriado – “Corpos”, minissérie britânica lançada pela Netflix, é a prova disso.

Sem revelar spoiler algum, a série pode ser definida como um “Dark” policial, uma trama menos adolescente e bem menos complexa, mas muito bem amarrada, com loop temporal, viagem no tempo e muito mistério. Tudo tem início em 2023, quando a detetive Shahara Hasan (Amaka Okafor), chamada para trabalhar durante uma manifestação de extrema-direita em Londres, encontra um corpo nu, com um buraco de bala no olho.

Não demora muito e voltamos a 1941, durante os bombardeios alemães a Londres, quando o detetive Charles Whiteman (Jacob Fortune-Lloyd) recebe um telefonema para resgatar um corpo abandonado no mesmo lugar daquele encontrado por Hasan. O mistério se apresenta quando percebemos se tratar exatamente do mesmo corpo. Como aquilo aconteceu? “Corpos” ainda se complica mais, com o mesmo corpo aparecendo também em 1890 e em 2053, descobertos pelos também detetives Kyle Soller (Alfred Hillinghead) e Iris Maplewood (Shira Haas).

Cada linha temporal é muito bem definida e caracterizada. Nenhum dos detetives é uma pessoa totalmente confortável naquele momento da vida, há um incômodo, uma inadequação social que os levou àquele momento, àquele lugar. O texto lida com religião, capacitismo, preconceito e sexualidade sem precisar fazer muito esforço, apenas desenvolvendo seus protagonistas. A série nunca se atropela na trama, oferecendo ao espectador tempo para alimentar as teorias e dicas para construí-las – “Corpos” seria, inclusive, uma boa série com episódios semanais.

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Quatro épocas, quatro detetives, o mesmo corpo. "Corpos" tem intrincada trama de viagem no tempo. Crédito: Matt Towers/Netflix

As linhas vão se conectando gradualmente, sem pressa, e sem que o texto force a barra. Quando percebemos, estamos diante de algo grandioso que se conecta a algumas figuras que conhecemos anteriormente. A ideia de Spencer e o roteiro de Paul Tomalin entendem que a minissérie precisa ter um ritmo de crescente frequente para manter o espectador. Assim, “Corpos” não é daquelas tramas nas quais nada acontece e, de repente, quando o episódio se aproxima do fim, um gancho se desenha, pelo contrário. Todos os oito episódios da série têm clímax, às vezes mais de um, aproveitando a narrativa nas quatro linhas temporais para dar dinâmicas diferentes, pois cada detetive convive também com questões pessoais que se misturam ao arco principal.

A série traz bons conceitos de ficção científica, principalmente na linha de 2053, com um mundo cheio de inovações, mas ainda assim próximo ao nosso. O texto também respeita bem as convenções da viagem no tempo, sem inovar muito ou inventar teorias absurdas – ela existe porque é possível e pronto. A escolha por simplificar o processo resulta em menos didatismo, sem personagens explicando o que se pode ou não fazer, pois o público já está acostumado ao gênero e entende o que está vendo, entende que o futuro pode ser alterado se algo mudar no passado.

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"Corpos", da Netflix, é adaptação da HQ homônima de Si Spencer. Crédito: Matt Towers/Netflix

“Corpos” merece destaque pela produção impecável, afinal, são quatro épocas a serem filmadas e todas com lugares em comum, o que significa manter uma identidade, mas também mudar tudo. A série utiliza paletas de cores e iluminações diferentes para cada linha narrativa e trilhas que se encaixem no período histórico. Os figurinos também são ótimos, mas o mesmo não pode ser dito das maquiagens; não é que elas sejam ruins, é o que dá para ser feito sem computação gráfica, mas o envelhecimento de atores com maquiagem não funciona tão bem quanto deveria, o que obviamente também não compromete nada.

Como um arco fechado nas oito edições do material original, “Corpos” pode trabalhar sua trama sem se preocupar em criar vínculos para mais episódios. Ao final do oitavo e último episódio, o texto se rende a uma justificável pieguice, o que talvez até funcione com um público mais amplo, mas também a uma covardia desnecessária na última cena, quando não banca o que construiu ao longo de quase oito horas de série.

Apesar disso, “Corpos” é ótima. A série da Netflix tem um bom texto que toma boas decisões, ótimas atuações e uma construção de universo rica, ainda que pouco explore o ambiente – é uma história de pessoas, relações, escolhas e renúncias, uma ficção científica cheia de conceitos complexos, mas que busca a simplicidade dos sentimentos para se conectar com o espectador.

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