Sabe uma coisa de que jornalista gosta? Filme sobre jornalismo. É por isso que você vê tanta gente (e me coloco nesta lista) recomendando “Todos os Homens do Presidente” (1976), “Spotlight” (2015), “O Quarto Poder” (1997), “The Post” (2018), “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), “Frost/Nixon” (2005) e por aí vai.
Adaptado do livro de Joan Didion e dirigido por Dee Rees (“Mudbound”), “A Última Coisa Que Ele Queria”, da Netflix, tem no elenco nomes de peso como Anne Hathaway, Ben Affleck e Willem Dafoe. O roteiro acompanha a história de Elena McMahon (Hathaway), uma jornalista obstinada pela situação da América Central no início dos anos 1980, quando os Estados Unidos agiam nos países centro-americanos para manter seus interesses comerciais. À época, o governo do presidente Ronald Reagan apoiava, com armas e dinheiro, os Contras, grupo que lutava contra os Sandinistas, partido socialista que tinha o poder na Nicarágua desde a década de 30, quando, ironicamente, expulsou os americanos de lá. O apoio, porém, havia sido proibido pelo Congresso dos EUA, mas se mantinha normalmente - uma bela reportagem, digna de um Pullitzer.
Apesar da premissa interessante e dos nomes envolvidos, “A Última Coisa Que Ele Queria” é uma bagunça narrativa quase incompreensível. O filme tem início como um thriller de jornalismo, mas pouco depois, com a entrada de Richard (Dafoe) na trama, ganha contornos de drama familiar.
Sem foco
O roteiro nunca para em um ponto específico, seja ele geográfico ou pessoal da protagonista. Enquanto Helena busca seu furo de reportagem, o personagem de Ben Affleck não tem função alguma além de fazer a trama caminhar quando convém ao texto. Algumas cenas dele com Anne Hathaway têm diálogos constrangedores e desfechos ridículos - algo comum ao filme, um apanhado de sequências encadeadas por Mako Kamitsuna com mãos de açougueiro na ilha de edição.
O filme não demora para colocar a protagonista no centro de uma trama de tráfico internacional de armas, e é quando a narrativa se perde de vez. Dee Rees não dá ambientação nenhuma para que público compreenda o que vê em tela; ao invés disso, abusa do didatismo pós-acontecimentos com explicações dadas por personagens que servem apenas para isso - o de Affleck não é o único. Até a protagonista, em monólogos existenciais, explica alguns eventos..
“A Última Coisa Que ele Queria” também é ridículo ao depender de equívocos de alguns personagens para suas viradas. Reviravoltas inteiras são iniciadas por erros simples, como um sujeito que erra o nome de outro; ou por acaso, em conversas “secretas” ouvidas sem querer. No ato final, ainda, Helena resolve todo o confuso quebra-cabeças com uma simples lembrança de sua infância.
Nas três situações, recorrentes no roteiro, o recurso funciona como muletas para um texto mal-escrito, mas nada se compara ao ato final do filme, que tenta emplacar uma reviravolta que só irrita o espectador pelas duas horas que gastou envolvido na obra.
“A Última Coisa Que Ele Queria” não é apenas ruim, é muito ruim. É um filme que parece incompleto, com cenas faltando para conectar toda a bagunça do roteiro. Como um thriller, ele não oferece ao espectador nenhuma chance de entender para onde caminha, e, para corrigir isso, encaixa flashbacks pontuais que não fazem sentido algum. Como um filme sobre jornalismo, ele desrespeita qualquer noção que se tenha da profissão - qualquer um pode identificar que existe algo errado na maneira como Helena conduz suas apurações. Ao fim, se trata de um filme que desperdiça uma diretora promissora, um bom material original e um elenco de peso.
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