Quando “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, foi selecionado para representar o Brasil na corrida pelo Oscar 2020, muita gente torceu o nariz. Afinal, “Bacurau”, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, conquistou o coração do público brasileiro com seus significados e o acerto de contas entre uma pequena comunidade e invasores estrangeiros. Que diabos de filme era esse capaz de deixar nosso faroeste nordestino para trás?
Adaptação para as telas do livro “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha, “A Vida Invisível” é um mergulho de Karim Aïnouz no melodrama como gênero. A trama conta a história de duas irmãs, Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler), no Rio de Janeiro dos anos 1950 e no núcleo de uma família tradicional de descendentes portugueses.
Enquanto a caçula Eurídice é tímida, recatada e toca piano, Guida é impulsiva e disposta a viver os prazeres da vida. Ela foge com o namorado e seu caminho se separa do de sua irmã - uma situação reforçada pelo pai das duas. Longe da irmã, Eurídice decide seguir o sonho de se tornar uma pianista na Europa, mas também tem que lidar com a vida adulta e com o casamento com Antenor (Gregório Duvivier).
Vencedor do prêmio Un Certain Regard, que premia a mostra paralela em Cannes, “A Vida Invisível” se encaixa no formato de filmes estrangeiros premiados pela Academia no Oscar. Seu retrato da sociedade carioca dos anos 1950 é cru e, apesar de duas protagonistas fortes (praticamente não há espaço para homens no filme), o roteiro não as poupa de sofrimento.
O filme acerta muito na passagem do tempo e na maneira como constrói a crescente ausência. As cartas enviadas por Guida, mesmo sem respostas, ajudam reforçar a distância cada vez maior entre elas. Eurídice também segue sua busca pela irmã à sua maneira, com ambas acreditando que a outra vive uma vida perfeita em algum canto do mundo. As passagens de tempo deixam lacunas para o espectador completar com as dicas entregues pelo roteiro - as vidas delas muitas vezes são invisíveis também para o público. Na verdade, o título funcionaria melhor no plural, pois Guida é tão bem desenvolvida quanto Eurídice pelo roteiro.
Karim Aïnouz usa cores saturadas e linda fotografia para contrastar com as dores de suas protagonistas em uma história de saudade, classes sociais, machismo e resiliência. Quando Fernanda Montenegro surge em tela, no terceiro ato, o roteiro pega uma marreta e vai direto no coração do espectador - e o impacto é forte.
A presença da grande dama da nossa dramaturgia, já indicada ao Oscar por “Central do Brasil”, de Walter Salles, reforça as chances do filme na disputa, que não será fácil. Entre os favoritos mais óbvios estão o coreano “Parasita”, de Joon-ho Bong, e o argentino “A Odisseia dos Tontos”, de Sebastián Borenztein. Também forte na disputa estão o francês “Les Miserables”, de Ladj Ly, o italiano “O Traidor”, de Marco Bellochio, e um dos favoritos (ao lado de “Parasita”), o espanhol “Dor e Glória”, do grande Pedro Almodóvar.
A expectativa da imprensa internacional no momento é que “A Vida Invisível” fique ao menos entre os 10 finalistas que serão anunciados em 10 de dezembro. A lista dos indicados ao prêmio será anunciada em 13 de janeiro de 2020 e a cerimônia de premiação é em 9 de fevereiro do próximo ano.
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