Há ideias que são tão legais que às vezes nem uma execução mais ou menos consegue estragar. A primeira temporada de “Altered Carbon”, da Netflix, é assim. Baseada no livro homônimo de Richard K. Morgan, a trama estrelada por Joel Kinnaman é, como escrevi há dois anos, “cyberpunk, sexy e violenta”. Com uma estética neon e urbana que remete diretamente a “Blade Runner” (1981), a série é centrada na investigação de Takeshi Kovacs (Kinnaman) sobre o assassinato de um “matusa” - multimilionários que, à maneira da trama, encontraram uma maneira de “viver para sempre”. Ao longo da jornada, Kovacs se depara com sua própria história em flashbacks e com os reflexos dela no caso no qual está envolvido. O resultado da temporada é razoável, mas o universo criado por ela é interessante o suficiente para garantir novas histórias.
Com a troca do protagonista, algo possibilitado com facilidade pela trama, a segunda temporada traz Anthony Mackie (o Falcão do Universo Marvel) no papel de Kovacs. Há mudanças também no comando da série - sai Laeta Kalogridis e entre Alison Schapker - e na duração da temporada, com oito ao invés dos 10 episódios da anterior.
A pegada também muda; toda a narrativa detetivesca cyberpunk do primeiro ano é praticamente deixada de lado. A história acompanha no “novo” Kovacs 30 anos após a conclusão da temporada anterior. Ele agora é contratado para proteger um matusa, mas, quando acorda em sua nova capa, encontra seu contratante morto e é atacado enquanto ainda se recupera do processo da troca de capas. Ainda tentando entender o que aconteceu, continua sua busca pelo amor de sua vida, Quellcrist Falconer (Renée Elise Goldsberry), um ícone revolucionário que parece ter ressurgido das cinzas.
Na nova temporada “Altered Carbon” é bem mais concisa. A redução do número de episódios e principalmente da quantidade de flashbacks trabalha em função da narrativa. Boa parte dos mistérios são revelados logo no início, dando permissão ao roteiro para explorar novos ambientes e novas situações. O ambiente urbano ainda está presente, mas divide tempo com florestas, cavernas e salas de reunião; a trama central também ganha contornos políticos e nos permite aprender um pouco mais sobre aquele universo.
A nova capa de Kovacs tem papel central na trama e na construção das cenas de ação. Mackie é mais físico e carismático que Kinnaman e protagoniza boas cenas de combate. O ponto negativo é que boa parte do orçamento da produção parece ter sido gasto em algumas sequências específicas, aquelas que demandam mais efeitos especiais de computação gráfica. Assim, as lutas armadas são bem interessantes, mas os embates físicos não saem do básico e quase comprometem.
O texto, apesar de bem amarradinho, peca pelo didatismo e sofre com atuações sofríveis da maior parte do elenco. Incomoda também o fato de sempre haver alguém pronto para explicar tudo o que vai acontecer a partir daquele momento - uma escolha compreensível em um universo tão complexo e cheio de possibilidades, mas que não deixa de atrapalhar o ritmo da série. A condução dos episódios lembra muito a de séries de TV aberta e a qualidade de produção cai bruscamente no decorrer da temporada.
“Altered Carbon” continua tendo boas ideias e uma execução medíocre, problema curiosamente similar ao do livro de Richard K. Morgan. A série corre praticamente sem assumir risco algum e sem nenhuma ousadia estética ou de linguagem. A preocupação da Netflix com produtos facilmente consumíveis e prontos para serem maratonados desperdiça boas oportunidades e narrativas a serem desenvolvidas - "Altered Carbon" talvez seja a principal delas.
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