“O que você faria por mil dólares?”, pergunta a ex-stripper Dorothy (Constance Wu) à jornalista Elizabeth (Julia Stiles) em um ponto-chave de “As Golpistas”. A entrevistada em seguida complementa: “sua resposta obviamente depende do que você tem e do que você precisa”. A ideia, se não resume o filme de Lorene Scafaria, ao menos serve como fio condutor para uma trama que tenta abordar desigualdades e agruras do capitalismo com uma história real.
O filme começa em 2007, com Dorothy em seus primeiros dias como stripper. Sem experiência e à mercê de homens que sempre ficam com parte do que ela arrecada, a jovem se aproxima da veterana Ramona (Jennifer Lopez), uma experiente dançarina que a ensina não apenas como dançar, mas também técnicas para identificar bem os homens mais dispostos a gastar dinheiro na boate.
As coisas caminharam bem para a dupla, mas a crise econômica de 2008 mudou tudo. Como os maiores clientes das dançarinas eram executivos de Wall Street, que gastavam rios de dinheiros nas boates, a crise afugentou a clientela e as obrigou a procurar uma nova forma de manter o estilo de vida que tinham conquistado. A nova estratégia consistia em drogar os homens e estourar os limites de seus cartões de crédito.
Baseado numa matéria publicada na revista “The Cut” em dezembro de 2015, “As Golpistas” é um filme bem redondo, com três atos definidíssimos e atuações que seguram toda a carga da trama. Jennifer Lopez e Constance Wu se entregam totalmente a seus papéis conferindo identidade a suas personagens. Ramona é uma estrela, acostumada a tudo e todos circulando ao seu redor; ela abraça Dorothy e as duas desenvolvem uma relação próxima, quase de dependência.
O grande desafio da diretora é fazer o público criar empatia por suas protagonistas. As strippers, mesmo quando os golpes ganham contornos criminosos, não são tratadas como bandidas - durante a maior parte do tempo são os homens os vilões da trama. Praticamente todos os homens que surgem em tela são deploráveis, o que faz o público quase acreditar que eles talvez mereçam aquele golpe. A escolha de Scafaria é questionável, uma pequena trapaça, mas funciona para aproximar o público de Ramona e Dorothy.
Estrutura narrativa
“As Golpistas” tem estrutura parecida à do clássico “Os Bons Companheiros” (1990), de Martin Scorsese. É pelas falas de Dorothy à jornalista que vamos conhecendo a história e seus detalhes. Enquanto ela e Ramona são bem desenvolvidas, toda a relação com as outras strippers parece forçada. Elas formam uma espécie de família, são próximas, comemoram até o Natal juntos em uma bela cena, mas tudo gira em torno das duas protagonistas, o que nos faz com que não nos importemos com ninguém além delas - até um personagem central na reviravolta da trama é deixado completamente de lado, o filme, afinal, não é sobre ele.
Lorene Scafabria faz excelente trabalho ao praticamente tirar o sexo de pauta. A diretora trata a dança muito mais como exercício de técnica e força do que como algo sensual. A cineasta também tem a sensibilidade de não erotizar as dançarinas (mesmo as coadjuvantes), conferindo ao filme um aspecto mais artístico e por vezes quase documental.
Falta, porém, algo que torne “As Golpistas” único. Falta, por exemplo, desenvolver melhor o questionamento que abre este texto, assim como outras frases de efeito proferidas durante o filme ("o país inteiro é uma grande boate de strip"). Talvez, na verdade, falte tempo para o espectador mergulhar mais em uma história tão interessante. Ao fim, “As Golpistas” é um bom filme, com excelentes atuações de sua dupla de protagonistas. Uma história real sobre ambição e poder contada como um bom filme de assalto.
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