Sim, “Coringa” é tudo isso sobre o que você ouviu falar ou leu nos últimos dias. Estrelada por Joaquin Phoenix e dirigida por Todd Phillips, a história de origem do mais icônico vilão da cultura pop se aproxima da perfeição, deixando de lado os clichês de super-heróis e pesando bem as consequências de se humanizar um vilão.
“Coringa” é a jornada de Arthur Fleck, um sujeito simples que trabalha como palhaço enquanto tenta a vida como comediante stand-up. Logo no início do filme, o protagonista deixa claro sofrer com um problema psicológico chamado síndrome de pseudobulbar, uma condição que gera riso (ou choro) involuntário e incontrolável às vezes em momentos inapropriados.
Arthur é um literalmente um marginal, ele vive à margem da sociedade da Gotham City do início da década de 1980 criada por Phillips. A escolha de situar o filme neste período temporal aproxima o roteiro de obras como “Taxi Driver” (1976) e “O Rei do Comédia” (1982), ambas de Martin Scorsese. Do primeiro filme, o diretor pega emprestado o cenário opressor da metrópole suja, corrupta e de desigualdades sociais gritantes; já do segundo ele pega a discussão acerca do papel da mídia e Robert de Niro, agora vivendo um personagem oposto ao daquele do filme de 82; Murray Franklin é o entrevistador do talk-show de humor favorito de Fleck, o local aonde ele imagina chegar com suas piadas. O problema é que Arthur se encontra cada vez mais descolado da realidade, é cada vez mais um pária.
Até sua transformação completa em Coringa, Arthur passa por situações que o levam ao limite. A ideia de criar empatia entre público e um vilão tão sádico é arriscada, mas o resultado é incrível - quando o personagem finalmente explode, encontrando seu empoderamento e sua confiança, o choque no espectador é grande, pois de alguma maneira acompanhamos um sujeito frágil se transformar em um monstro. O Coringa de Phoenix não é um resultado ao Batman (o filme se passa antes dessa possibilidade), ele é fruto de uma sociedade confortável com a crueldade, na qual a empatia dura apenas alguns instantes. O surgimento de monstros é inevitável.
Violência
Neste cenário, o filme abre espaço para discutir quão cruel é a sociedade com seus párias - “Coringa”, o filme, é mais pesado do que as histórias em quadrinho pois entrega ao seu público uma sensação de proximidade, o vilão pode ser um sujeito comum levado ao extremo de sua psique.
Joaquin Phoenix se abraça a isso. Arthur Fleck pode ser irritante e odiável, mas não é um cara ruim. A atuação de Phoenix remete, obviamente, à de De Niro como Travis Bickle no já citado “Taxi Driver”, mas também encontra paralelos em sua própria filmografia, como, por exemplo, no Freddie Quell de “O Mestre” (2012), filmaço de Paul Thomas Anderson. Phoenix prende o olhar do público com maestria, em um mix de entrega física e dor, dançando pela tela num balé sádico, violento e agonizante, tudo sob a tutela precisa de Todd Phillips. O diretor abraça a influência de Scorsese, algo que já tinha feito no bom “Cães de Guerra”, e cria sua própria assinatura.
Todd Phillips e Joaquin Phoenix criam um Coringa próprio, quase autoral, com pitadas do clássico "A Piada Mortal", de Alan Moore e Brian Bolland (Bolland, inclusive, está nos agradecimentos do filme), mas ainda assim distante do personagem das HQs. Existe a ligação com o universo do Batman, algo que até surpreende, mas nada que nos faça imaginar um embate entre este Coringa e o Morcegão - o que é bom.
“Coringa” é como um filme de descoberta, é a jornada de Arthur Fleck a uma espécie de paraíso maligno. O personagem é imprevisível, caótico e anárquico. O Coringa de Phoenix pensa e reage, mas sua reação é a violência absoluta, em estado bruto. Esqueça os filmes baseados em quadrinhos. “Coringa” é mais interessante do que qualquer coisa que Marvel e DC tenham feito, é cinema para mexer com o público, incomodá-lo ao invés de entretê-lo.
Coringa
Direção: Todd Phillips
Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Marc Maron, Douglas Hodge.
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Nota: 9,5
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