Sim, eu também penso em comédias, em sua maioria muito ruins, quando penso em Adam Sandler. A lista de atrocidades estreladas e produzidas por ele é enorme (“Pixels”, “Gente Grande”, “Zohan”, “Cada Um Tem a Gêmea que Merece”, “Os 6 Ridículos”...), mas filmes como “Joias Brutas”, disponível na Netflix desde sexta-feira (31), nos fazem lembrar que Sandler é um bom ator.
Quando ele faz boas escolhas e trabalha com diretores autorais, o resultado normalmente é ótimo. Foi assim com “Embriagado de Amor” (2002), de Paul Thomas Anderson, “Reine Sobre Mim” (2007), de Mike Binder, “Tá Rindo de Quê?”, de Judd Apatow, “Os Meyerowitz”, de Noah Baumbach e agora com o excelente filme dos irmãos Benny e Josh Safdie.
Responsáveis pelo ótimo “Bom Comportamento” (2017), Benny e Josh, de respectivamente 33 e 35 anos, são dois dos nomes mais interessantes na nova geração de cineastas em Hollywood. Em apenas o terceiro filme que dirigem juntos (Josh tem outro, sozinho, no currículo), os irmãos mostram assinatura de um cinema ágil, de cortes rápido, sujo e mergulhado no submundo do crime. Eles bebem na fonte de Martin Scorsese (principalmente nos filmes dos anos 1970), mas conseguem ter identidade própria, algo que não acontece, por exemplo, com Todd Phillips, diretor do exaltado “Coringa”, que se limita a imitar o cineasta nova-iorquino.
“Coringa”, inclusive, é uma boa comparação para “Joias Brutas”. Apesar de cronologicamente separados, ambos têm a narrativa de um submundo perigoso, mas o filme estrelado por Sandler é muito mais preciso e redondo do que o do vilão da DC - carece a ele, no entanto, o potencial de uma figura pop. O filme entrou em circuito restrito nos EUA para se credenciar ao Oscar, que infelizmente ignorou um dos melhores filmes da temporada, com roteiro e direção muito superiores ao do filme de Todd Phillips.
“Joias Brutas” acompanha Howard Ratner (Adam Sandler), um joalheiro sempre em busca de um próximo grande negócio e disposto a correr muitos riscos por isso. Ele recebe uma joia rara, em estado bruto, acredita que sua sorte definitivamente virou e entra num espiral de apostas que envolvem mafiosos e agiotas perigosos. Tudo além disso seria spoiler.
O roteiro de Ronald Bronstein, parceiro habitual dos irmãos, mistura fatos e ficção com maestria para construir uma tensão que não para de crescer até o último minuto de projeção. É curioso que os fatos citados pelo filme não devem ser tão lembrados pelo público brasileiro, o que torna toda a trama ainda mais surpreendente - recomendo, inclusive, que não o busquem no Google quando a curiosidade bater durante o filme.
Sandler tem uma atuação quase experimental. Howard é confiante, seguro de si e de suas escolhas, e carismático, mas também é impulsivo, desesperado e pronto para abraçar o caos. Por isso, em determinado momento, quando o personagem se abre para o espectador, a cena é tão íntima.
A tensão construída nos dois primeiros atos não preparam o espectador para a espetacular terceira parte do filme. Poderia muito bem estar entre os indicados a Melhor Filme, Ator, Roteiro Original, Direção, Edição e Fotografia - em muitas dessas categorias, inclusive, no lugar ocupado pelo “Coringa” (exceção feita a Melhor Ator, em que Joaquin Phoenix ocupa um merecido posto). O filme dos Safdie, afinal, é tudo o que o de Todd Phillips abandona para se associar ao universo do Batman. “Joias Brutas” é caótico, explosivo e causa desconforto sem apelar para muletas narrativas e de roteiro.
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