Não faz sentido algum a comparação que andam fazendo de “Locke & Key”, nova série da Netflix, com “A Maldição da Residência Hill”, lançada pelo serviço em 2019. A série de Mike Flanagan bebe na fonte de Stephen King para criar um terror pessoal e com forte carga dramática ao contar a história da família Crain e as cocatrizes deixadas pela tal residência. Já “Locke & Key” lida com o presente, com a família Locke convivendo com o luto pela morte de Rendell Locke, o patriarca da casa, em uma trama muito mais fantasiosa do que assustadora.
Logo de cara conhecemos Nina (Darby Stanchfield), Tyler (Connor Jessup), Kinsey (Emilia Jones) e Bode (Jackson Robert Scott) pouco antes de chegarem à Keyhouse, casa em que Rendell passou a adolescência e onde Nina acredita poder reconstruir a vida ao lado dos filhos. Matheson é a típica cidade pequena americana de séries e filmes: todo mundo se conhece. Na escola, os adolescentes (Tyler e Kinsey) logo são apresentados à clássica estrutura com separação entre populares, esquisitões, nerds etc..
O primeiro episódio funciona bem para apresentar a trama e os conflitos. A Keyhouse é a típica casa mal-assombrada e os personagens fazem até piadas com isso; existem várias histórias sinistras na região acerca do local. Não demora para que o caçula, Bode, comece a ouvir uma voz misteriosa saindo do antigo poço da casa - a voz se identifica como Eco e pede que o jovem busque chaves mágicas na casa.
O início da temporada tem mais foco no suspense, no que aconteceu a Rendell e principalmente no mistério das chaves. À medida que elas vão sendo encontradas, Eco vai ganhando mais forma, um corpo, um rosto, até se tornar a figura de Laysla De Oliveira. Por mais que Bode seja a faísca da trama, não demora para que os outros Locke estejam envolvidos.
Adaptada da HQ homônima de Joe Hill e Gabriel Rodriguez, “Locke & Key” deixa de lado bastante do terror do material original. A série praticamente elimina toda a violência e o derramamento de sangue da HQ e aposta mais no aspecto fantasioso da obra. O resultado não é desastroso, mas pode desapontar os fãs dos quadrinhos ou os que buscam uma atração de terror.
“Locke & Key”, ao invés disso, gasta mais tempo do que o necessário nos dramas adolescentes de Tyler e Kinsey antes de mergulhar na magia. É Bode que passa todo seu tempo envolvido com a casa, a magia e Eco. Aos poucos, a narrativa vai mostrando o que aconteceu com Rendell e por que seu destino está ligado àquelas chaves.
Um dos pontos mais legais da série são as possibilidades que cada chave oferece. Seria interessante ver os adolescentes utilizando as chaves por diversão, se aventurando pela magia de cada uma delas, mas o roteiro as usa apenas em função direta da narrativa.
O conflito entre os Locke e Eco também é mal explorado. Por mais que tenhamos noção do que Eco representa e do que ela pode fazer, ela nunca parece realmente atingir seu potencial como ameaça - os jovens na maior parte do tempo parecem nem se importar de verdade. É a maneira com que cada um lida com a morte do pai, mas, ainda assim, não funciona narrativamente e afasta ainda mais a narrativa de uma possibilidade de terror.
A série tem alguns efeitos visuais criativos, como a utilização da chave da cabeça, e outros constrangedores, quando se sustentam em computação gráfica ruim. Com visíveis limitações orçamentárias, seria inteligente apostar mais na tensão e menos na fantasia, mas não é o que acontece.
Após 10 episódios (que poderiam ser 8), a primeira temporada se encerra com um excesso de didatismo e deixando de lado qualquer sutileza ou mistério. A trama se resolve rapidamente e com a impressão de nunca atingir seu potencial criativo. As resoluções são fracas e previsíveis, além de requererem que o espectador ignore alguns pontos importantes. Os produtores afirmam já ter uma segunda temporada planejada, e até há gancho para iss; a dúvida é se há ou não necessidade.
Ao final, “Locke & Key” é uma série de fantasia adolescente que se sustenta mais no que poderia ter sido do que no que é realmente oferecido. A impressão de que o próximo episódio será sempre melhor não é real e a expectativa nunca se concretiza. A trama tem bons momentos de tensão e alguns de encantamento, mas a maior parte do tempo é gasta com dramas adolescentes bobos, nicho que parece funcionar bem para a Netflix.
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.