Harlan Coben é um fenômeno literário americano que não vingou muito por aqui apesar de seus 75 milhões de livros vendidos em 44 idiomas mundo afora. Só série literária protagonizada por Myron Bolitar tem 11 lançamentos e uma trilogia derivada. Além disso, lançou 18 livros independentes, sem vínculo com personagens já criados. Sua literatura é do estilo ame ou odeie, com reviravoltas e surpresas a cada página, mesmo que nem sempre fazendo muito sentido. A linguagem narrativa, se por um lado incomoda durante uma leitura e não entrega a recompensa esperada pelo leitor ao final do livro, funciona muito bem nas telas. "Não Fale com Estranhos", disponível na Netflix desde 30 de janeiro, é exemplo disso.
Baseada no livro homônimo de Coben, a minissérie em oito capítulos é um deleite ao espectador disposto a comprar a ideia da trama. Em uma pequena cidade inglesa, daquelas em que quase todo mundo se conhece e vive em harmonia, Adam Price (Richard Armitage) é o patriarca de uma família modelo na qual todos se dão bem. As coisas vão bem até uma estranha (Hannah John-Kamen) o abordar para contar um segredo sobre Corinne (Dervla Kirwan), sua esposa, que, confrontada, desaparece sem deixar pistas.
Também acompanhamos, em paralelo, a história da detetive Johanna Griffin (Siobhan Finneran), uma mulher recém-separada e às vésperas da aposentadoria. A estranha também visita uma amiga de Johanna, Dervla Kirwan (Jennifer Saunders), e as tramas, inicialmente sem relações entre si, não demoram a se transformar em algo maior.
Nos primeiros episódios, “Não Fale Com Estranhos” é viciante. Tudo vai se interligando sem que o espectador faça ideia de onde os mistérios se encontrarão. O roteiro, escrito pelo próprio Coben, é inteligente o suficiente para funcionar como um quebra-cabeças; as peças vão se encaixando e levando a trama para novas e mais profundas direções.
Existe ali um fetiche de ver a ruína de famílias bem-sucedidas e aparentemente perfeitas, mas o que move a série é a curiosidade em descobrir quão fundo vão os segredos daquela comunidade. A partir de um determinado ponto, a trama da estranha se torna secundária e “Não Fale Com Estranhos” ganha ares de um suspense policial com a detetive Griffin como protagonista.
O texto de Coben é sagaz, ágil, e trabalha todo o tempo com alguma urgência. O fato de a minissérie ter apenas oito episódios ajuda a concisão da trama, que por vezes parece se desviar do caminho principal com algumas subtramas, mas depois acaba se encontrando novamente rumo à conclusão.
Algumas motivações parecem bobas, mas acabam sendo justificadas ao final. O último arco, por sua vez, parece um pouco apressado, mas há em todos os oito episódios dicas que não tornam o desfecho assim tão inesperado. O roteiro não deixa pontas soltas nas principais tramas, mas há algumas histórias que poderiam ter sido aprofundadas - podem, ainda, servir como fio condutor para uma possível segunda temporada, mesmo que não exista motivação nenhuma pra isso.
“Não Fale com Estranhos” é um suspense policial de primeira e cheio de reviravoltas (algumas bem surpreendentes). Ele parte da fórmula do “whodunnit” para se transformar em um drama quase voyeurístico sobre os segredos guardados por cada um. Uma série (ou minissérie) viciante, concisa e bem escrita.
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