Quando lançou “A Bruxa”, em 2015, Robert Eggers mostrou que entendia do que queria fazer. Filmada com poucos recursos e aparentando apenas utilizar luzes de velas e iuminação natural, a história da família de colonos ingleses às voltas com eventos satânicos em 1630 mistura o terror clássico com o moderno em um dos filmes mais importantes da última década. Eggers logo foi considerado um novo mestre do terror e é por isso que “O Farol”, em cartaz a partir desta quinta (2), é tão importante.
O novo filme do jovem cineasta (36 anos) mostra que sua estreia não foi um acidente bem-sucedido. “O Farol” é tenso, angustiante e claustrofóbico mesmo nos momentos em que seus personagens se encontram ao ar livre, rodeados pela imensidão do nada e iluminados apenas pela luz do fálico farol.
A trama acompanha o guardião Thomas (Willem Dafoe) e seu novo assistente, Ephraim (Robert Pattinson), se apresentando para cuidar do farol em uma ilha remota. Os primeiros momentos são silenciosos, não há diálogos além de uma ordem ou outra dada por Thomas. Ephraim é um sujeito de poucas palavras, disposto a cumprir sua missão nas quatro semanas determinadase retornar para casa com algum dinheiro no bolso. Enquanto isso, Thomas é o arquétipo do velho lobo do mar, um cara marcado por histórias que nem sempre batem; ele é quem manda, faz questão de deixar isso claro ao assistente e até parece se divertir com suas doses de sadismo.
Os personagens aos poucos vão se soltando, mas a trama, por mais simples que pareça, continua travada. A verdade é que a trama é o que menos importa ao filme. O roteiro brinca com a expectativa do público - quando o espectador acredita ter entendido o que se passa em tela, Eggers não apenas leva tudo para outro caminho como praticamente zomba do público: você acha mesmo que seria assim tão óbvio?
“O Farol” constrói sua tensão com maestria, levando seus personagens ao extremo e nos colocando no meio daquela complexa relação. A inspiração mais clara de Eggers são as obras do escritor H. P. Lovecraft - há referências diretas a “Nas Montanhas da Loucura” e “O Chamado de Cthulhu” -, mas o cineasta também bebe em outras fontes como “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman, na dinâmica entre personagens, e “Os Pássaros”, de Hitchcock.
A química entre Dafoe e Pattinson é o que mantém os olhos do público presos na tela. Os dois alternam momentos de afeto com outros de explosão física enquanto parecem se desafiar, jogar um com o outro o tempo todo - é como um duelo de duas entidades, dois deuses, pelo controle da situação. De um momento de euforia eles partem para a violência para, no instante seguinte, dançarem ou abrirem seus corações. É no terror do isolamento, na proximidade da loucura que reside o terror de “O Farol”.
Os aspectos técnicos do filme ajudam a construir a claustrofobia. Com dimensão de tela reduzida e filmado todo em preto e branco, com forte contraste que remete ao expressionismo alemão, o filme cria uma atmosfera opressiva, suja e perigosa para os protagonistas. Eggers mais uma vez recria a iluminação de forma a parecer que usa apenas o que haveria disponível naquele ambiente.
Ao contrário do que ocorre em “A Bruxa”, “O Farol” não tem uma explosão em seu clímax, não tem seu Black Phillip ou uma grande recompensa. O novo filme de Eggers é mais sobre a jornada do que sobre o destino, é uma viagem à loucura, um confronto entre dois homens para ver quem vai ceder primeiro. Willem Dafoe e Robert Pattinson, atores de métodos e gerações diferentes, entregam atuações que poderiam muito bem ser as definitivas de suas carreiras. “O Farol” é perturbador do início ao fim ao mostrar as dores do isolamento e as armadilhas criadas pela mente para lidar com isso.
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