Lançado em 2019 pela escritora Taylor Jenkins Reid, “Daisy Jones & The Six” é uma obra pop perfeita. Em formato de transcrição de um documentário, o livro conta a história fictícia de uma das maiores bandas de rock dos anos 1970, Daisy Jones &The Six, dos dias que antecedem sua formação ao que aconteceu no dia do fim, em 1977, após um show lotado e no momento em que eram a maior banda do mundo. Após o fim da banda, ninguém falou sobre o teria acontecido. O texto de Jenkins Reid é pop, bem construído e de fácil assimilação, pronto para ser transformado em um roteiro para as telas. O formato, no entanto, poderia ser um problema.
“Daisy Jones & The Six”, minissérie que chega nesta sexta (3) à Amazon Prime Video, encontra o equilíbrio perfeito para a narrativa. Com três episódios disponibilizados na estreia (e outros três a cada semana), a série levada para as telas por Scott Neustadter e Michael H. Weber, dupla de roteiristas filmes como “500 Dias com Ela” e “O Maravilhoso Agora”, mantém a estrutura do livro, tendo as entrevistas como fio condutor, mas é interessante como elas apenas servem para introduzir momentos na narrativa convencional.
A série tem início com Daisy (Riley Keough) ainda criança, em uma sequência que introduz sua relação com a música e com sua família. Daisy tinha tudo, o dinheiro do pai e a beleza da mãe, mas nunca teve amor em casa; o resultado é uma adolescente rebelde que fugia para assistir a shows nas diversas casas de shows de Los Angeles. Sempre a mulher mais bonita no ambiente, logo chamou a atenção de músicos, empresários e frequentadores que pouco se interessavam pelo sonho da menina de ser cantora.
Logo em seguida somos apresentados a Billy Dunne (Sam Claffin), um jovem lindo, talentoso e controlador. Quando seu irmão, Graham (Will Harrison) o chama para tocar na banda que tinha com os amigos de escola Eddie (Josh Whitehouse), Warren (Sebastian Chacon) e Chuck (Jack Romano), Billy logo toma as rédeas de tudo a assume o controle da banda, que, a partir daquele momento, era a banda dele.
A série toma alguns atalhos, mas é fiel ao livro na construção dos personagens. Vamos gradualmente conhecendo personagens importantes como Camila (Camila Morrone, o coração da série), Rod (Timothy Olyphant), Karen (Suki Waterhouse), Simone (Nabiyah Be) e Teddy Price (Tom Wright) à medida que suas histórias se cruzam com a dos protagonistas. Todo primeiro ato da série funciona para chegar ao ponto de encontro entre Daisy e o The Six, o que acontece mais rápido que no material original e com muito menos rodeios.
O casting e o roteiro deixam claro o distanciamento de Daisy e Billy para o resto do universo - por mais que todos músicos tenham espaço, e alguns até tenham alguns arcos próprios, toda a série gira em torno dos dois. A estética da série reforça isso na maneira que os enquadra, em seus figurinos e com o texto sempre pontuando o talento inigualável de ambos, duas forças da natureza em momentos diferentes e com compreensões diferentes da vida naquele ponto de convergência.
Quando no palco ou em estúdio, por exemplo, é comum (até demais) que a câmera gire ao redor dos dois enquanto as outras pessoas em cena se encontram em outro plano e até desfocadas, pois, naquele momento, só Daisy e Billy importam. Mesmo quando deixa de ser sutil, o recurso funciona para destacar o “star power” dos protagonistas, pois Daisy e Billy são aquelas pessoas que roubam qualquer atenção ao entrar no recinto, é impossível tirar os olhos deles e o jogo de câmeras deixa isso bem claro.
Sam Clafin e Riley Keough estão ótimos tanto nas diferenças entre Billy e Daisy como também, e principalmente, em suas semelhanças. “Às vezes confundimos alma gêmea com um espelho”, diz uma personagem, em certo ponto da série, para retratar o envolvimento entre ambos. Ambos são lindos e geniais, mas frágeis, “quebrados”. Os olhares que trocam são de admiração e respeito pelo talento, mas também de desejo e repulsa.
“Daisy Jones and The Six” trabalha bem a dualidade entre Billy e Daisy ao desenvolvê-los como iguais. Assim, além da admiração mútua pelo talento e da gritante tensão sexual, há entre os protagonistas também certa repulsa por enxergarem no outro a própria pior característica. Billy vê em Daisy uma vida de excessos e impulsividade da qual escolheu fugir anos antes, mas Daisy vê no músico uma versão “domada” de si, uma pessoa acovardada, com medo de escolhas.
Vale ressaltar o trabalho dos atores também como músicos, pois a banda realmente toca e canta todas as músicas. “Aurora”, disco até então fictício lançado por Daisy Jones and The Six no livro, será lançado junto com a série e foi totalmente gravado pelos atores - Sam Clafin, após um teste não muito bom, aproveitou a pandemia para aprender a tocar e cantar antes de um novo teste. Para quem leu o livro, ouvir as músicas é um momento mágico. Nomes como Phoebe Bridges, Madison Cunningham, Marcus Mumford e Jackson Browne ajudaram a escrever as canções de “Aurora” sob a produção musical de Blake Mills. As músicas têm sonoridade atual, com melodias grudentas e refrões fortes, sempre com aquela pegada de rock setentista meio folk, moderno, mas meio caipira. O livro, é bom dizer, é levemente inspirado na história da banda Fleetwood Mac.
“Daisy Jones and The Six”, mais até do que o livro, é incrível para quem gosta de música, composição e gravação. As cenas de shows são ótimas e se tornam também parte da história, com conflitos saindo do palco e ganhando profundidade. A série é mais imediata em alguns aspectos, eliminando alguns personagens do livro com o intuito de tornar tudo mais ágil, dando a impressão até de que o livro poderia ter sido dividido em duas temporadas. Em contrapartida, o texto agora se permite dar mais peso a alguns arcos, como os momentos que antecedem a entrada de Daisy na banda.
“Daisy Jones and The Six” é uma história de amor que não busca as saídas óbvias. O amor, no caso, não é tão simples - é reconhecer no outro as próprias falhas e virtudes, é finalmente ver valor próprio ao ver sua imagem refletida em alguém que você admira, é se permitir ser visto e enxergar com outros olhos. Ao fim, fugindo do óbvio, a série oferece uma recompensa, uma satisfação emocional ao espectador que o faz repensar toda a jornada com outro olhar.
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