Logo de início, “De Quem Estamos Fugindo?”, série turca da Netflix, parece interessante. Somos jogados em meio a uma história de fuga, com mãe e filha obviamente se escondendo de alguém ou de um passado, mas há algo estranho: Por que, afinal, elas estão se escondendo em lugares nos quais poderiam ser facilmente encontradas?
Em sete episódios de cerca de 40 minutos cada, a série acompanha mãe (Melisa Sözen) e filha (Eylül Tumbar) em fuga, quase sempre em hotéis e resorts de luxo, e deixando um rastro de sangue pelo caminho. Basta alguém olhar torto para filha ou desconfiar do comportamento delas para que essa pessoa seja sumariamente eliminadas - para duas pessoas tentando ser discretas, elas não poderiam ser menos inteligentes do que se mostram.
“De Quem Estamos Fugindo?” tem estrutura de thriller, mas nunca consegue fugir do melodrama novelesco típico das produções turcas feitas para a Netflix ou disponibilizadas na plataforma de streaming. A informação de que a história é baseada no clássico “Bambi, a história de uma vida na floresta”, de Felix Salten, livro que deu origem à animação da Disney, está presente já na sinopse da série na Netflix, mas somos lembrados disso todo o tempo.
Como se a informação dada antes de clicarmos na série não fosse suficiente, o roteiro deixa qualquer sutileza de lado ao apelidar a filha de Bambi e trazer várias cenas da mãe lendo o livro para a jovem, mesmo que Bambi, na verdade, seja quase uma adulta. No terceiro ato, com a série rumando para o fim, o texto faz questão de nos lembrar sua inspiração, tornando-se previsível para qualquer um que conheça a história de Bambi.
“De Quem Estamos Fugindo?” tem boas ideias. Vários episódios são narrados a partir de depoimentos de pessoas que estiveram com as fugitivas em algum momento. Esse recurso oferece diversas possibilidades narrativas, dando aos criadores poderes para ousar com exageros, aumentado acontecimentos ou até fantasiando, mas o texto usa os depoimentos apenas para conferir à série uma pegada policialesca quando convém, nos momentos em que tenta convencer o público de que é um thriller, e não um melodrama.
Muito preocupado com mãe e filha, o roteiro cria coadjuvantes de maneira horrorosa. A série busca reforçar, a todo o momento, a beleza de Bambi, fazendo com que ela chame a atenção por onde quer que passe. Eylül Tumbar, de fato, é linda, mas o texto perde a mão quando chega ao ponto de as pessoas nos hotéis ficarem obcecadas pela jovem, parando a mãe em momentos inusitados e chamando-a de “a mãe da menina linda”. Novamente, é necessário ressaltar que elas querem passar despercebidas, mas, ainda assim, escolhem resorts paradisíacos para a hospedagem e se comportam sempre de maneira suspeita. Ainda, a série coloca a dupla sempre “precisando ir ao banco” sacar uma grande quantidade de dinheiro, uma situação muito pouco inteligente para pessoas em fuga.
“De Quem Estamos Fugindo?” depende muito de uma ingenuidade e de uma boa vontade do espectador para comprar seus absurdos. Na reta final, a série se volta muito ao material que a inspira. Toda a construção do passado da mãe é rasa e vazia mesmo com os vários flashbacks utilizados pela série para traçar paralelos entre mãe e filha e para “justificar” seu comportamento psicótico e violento.
A série turca se assemelha muito às produções da Netflix como a mexicana “Quem Matou Sara?”, mas com uma pegada do melodrama das novelas turcas (muito influenciadas pelas brasileiras), sem as reviravoltas frenéticas que marcam a dramaturgia mexicana. As atuações são muito prejudicadas pela maneira como o texto constrói seus personagens - Bambi é infantilizada e, caso o espectador não note isso, algum coadjuvante está sempre a postos para reafirmar isso.
“De Quem Estamos Fugindo?” tem como maior mérito sua curta duração, pois é uma série que pode ser consumida de olho no smartphone ou até enquanto se faz faxina na casa. Nada é realmente importante nos sete episódios além das belas paisagens europeias e do arco da mãe protegendo a filha e a preparando para o mundo.
Sem carga dramática e com soluções involuntariamente cômicas, principalmente no constrangedor arco final, “De Quem Estamos Fugindo?” é um passatempo que até seria justificável se não existisse tanta oferta de conteúdo na Netflix e em diversas outras plataformas de streaming.
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