A maior crítica à recém-lançada sexta temporada de “Black Mirror” é que ela é “pouco ‘Black Mirror’”. Famosa por explorar inovações tecnológicas e seus efeitos na sociedade de maneira episódica, a série criada por Charlis Brooker se afastou desse conceito na nova leva de episódios, para o desespero de fãs e até da Anitta, que reclamou no Twitter. Sim, há relações, principalmente no primeiro episódio da temporada, mas as histórias se tornaram mais abrangentes, não necessariamente tendo na relação entre tecnologia e humanidade sua força motriz.
Em compensação, a série tailandesa “Delete”, recém-lançada pela Netflix, tem um conceito bem “Black Mirror”. Toda a trama gira em torno de um telefone celular cuja câmera é capaz de apagar alguém, ou seja, a pessoa fotografada é sumariamente deletada sem deixar nenhuma pista. A série tem início com uma jovem abordando uma mulher aleatória no supermercado e pedindo que ela tirasse uma foto; o pedido é atendido e a jovem desaparece, deixando a mulher assustada e com com o tal telefone.
Após a introdução, descobrimos que essa mulher é Lily (Sarika Sartsilpsupa), uma mulher casada e em um relacionamento extraconjugal com Aim (Nat Kitcharit), um homem também em um relacionamento. Infelizes nos respectivos relacionamentos e apaixonados um pelo outro, eles decidem usar tal telefone para apagar os companheiros e iniciarem uma nova vida, livre daquelas amarras.
Sim, a premissa de “Delete” é cruel. Quem, afinal, teria o direito de apagar alguém? Qual a diferença disso para um assassinato? A série criada por Parkpoom Wongpoom inicialmente não parece se importar muito com isso, introduzindo novos personagens como a cunhada de Lilly, que tem até um arco próprio e pouco interessante com bastante tempo de tela e uma pegada um pouco melodramática.
Em oito episódios com duração entre 35 e 45 minutos, a série tailandesa gasta muito tempo com arcos que não despertam muito interesse. Ao fim, as peças se encaixam e essas histórias até se fazem entender, mas continuam sendo desnecessárias à série.
O texto cria regras no decorrer da série e, mesmo que a ideia não seja muito boa, ela acaba funcionando para dar dinâmica e carga dramática à série em seu terceiro ato. É irônica que toda a falta de preocupação da série e seus personagens com a questão ética, com a culpa ou até mesmo com o aspecto legal daquilo tudo vai e vem de acordo com a necessidade da narrativa.
Durante boa parte da temporada (há um bom ganho para mais episódios), “Delete” tem ação e drama familiar, se esquecendo do enorme potencial de um thriller de ficção científica que sua ideia principal carrega. O texto acerta muito ao não se preocupar em explicar o que, afinal, é aquele telefone ou o que acontece às pessoas fotografadas – elas desaparecem e ponto final.
Nessas idas e vindas de sentimentos dos personagens, o episódio final traz boas surpresas ao lidar com a culpa. Ainda, a sequência final dá à série a tensão e o ar de suspense que ela deveria ter desde o início. Quando a série se aproxima do fim, com uma excelente cena, a vontade é de continuar assistindo - não porque a série é ótima, mas sim porque é momento em que ela parece finalmente se encontrar após enrolar durante muito tempo. Ao fim, “Delete” seria um bom e intrigante episódio de “Black Mirror”, mas, como série, tem dificuldades de se sustentar em uma narrativa mais longa.
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