É fácil entender o apelo de “Depois do Universo”, filme brasileiro sucesso recente na Netflix. Dirigido por Diego Freitas, a dramédia romântica é confortável, tem um casal de protagonistas lindos e carismáticos, e segue à risca a fórmula de “A Culpa é das Estrelas” (até demais) e de filmes de drama juvenil com narrativa mais próxima da de John Green do que da de Nicholas Sparks, ou seja, mais pop e menos melodramática na medida do possível.
“Depois do Universo” é centrado na história de Nina (Giulia Be), uma talentosa pianista que traçou planos profissionais desde criança, mas se viu impossibilitada de seguir seu sonho quando descobriu sofrer de Lupus e desmaiar durante uma apresentação aos 13 anos. Conhecemos Nina em uma breve introdução quando, hospitalizada e aparentemente fragilizada, ela conta sua história de como conheceu sua grande paixão, Gabriel (Henry Zaga).
Nina tocava em uma estação de metrô (Luz, em São Paulo) que, por acaso, tinha um piano em sua passarela, quando Gabriel, de bicicleta e fugindo de um segurança, acaba caindo sobre o instrumento. “Eu gosto muito de Ed Sheeran”, diz Gabriel, apaixonado à primeira vista, para que Nina, brava com a interrupção, responda: “Era Chopin”. Quando Gabriel chega a seu destino, descobrimos que o jovem é residente no hospital no qual, quem diria, Nina tem que ir semanalmente fazer hemodiálise - seus rins estão comprometidos pela Lúpus - enquanto espera na fila para o transplante.
“Depois do Universo” passa longe da perfeição, mas tem muitos méritos no produto que entrega. O filme se sustenta na adorabilidade de Giulia Be e Henry Zaga, principalmente nos momentos mais afetuosos entre o casal de protagonistas, e nas relações deles com as pessoas que orbitam ao redor deles, como Joaquim (Othon Bastos), avô de Nina, Yuri (Leo Bahia), médico com quem Gabriel divide apartamento, a enfermeira Raimunda (Rita Assemany) ou Amanda (Viviane Araújo), mais uma paciente de hemodiálise.
O filme tem seu “vilão” em Alberto (João Miguel), diretor do hospital e pai de Gabriel, um médico à antiga que critica a maneira como o filho lida com os pacientes. Mesmo cercado de clichês, o conflito até garante ao filme um subexplorado arco sobre a possibilidade de uma medicina mais humanizada ao invés de uma prática quase automatizada, sem se importar individualmente com os pacientes.
É justamente nos conflitos que o filme de Diego Freitas perde força. “Depois do Universo” tem estilo próprio, com pegada moderna e quase publicitária em várias sequências com os protagonistas, mas sofre com a construção e o desenvolvimento dos conflitos - ironicamente, esses conflitos são desnecessários a um filme que lida com a finitude, com a possibilidade de uma morte precoce que impeça Nina de viver um grande amor e de realizar seu sonho.
O texto de Diego Freitas, Rodrigo Azevedo e João Côrtes entende bem a força de sua relação principal, mas comete o erro de cercá-la de clichês do gênero. Dessa forma, a relação entre Nina e Gabriel passa por todas as etapas de uma comédia romântica: do encontro ao acaso à resistência inicial; do encantamento ao distanciamento e o sacrifício em nome do amor. “Depois do Universo” peca por uma aparente necessidade de encaixar tudo no filme, como se fosse uma cartela de bingo de uma dramédia romântica. Assim, boa parte dos conflitos é artificial, repentina e de resolução quase imediata.
Nem todo clichê, porém, é desperdiçado. Yuri funciona como alívio cômico mesmo se encaixando no estereótipo do “amigo gay engraçado”. Da mesma forma, o filme usa bem os clichês românticos no relacionamento de Nina e Gabriel, do beijo na chuva ao desejo de transformação dentro de uma relação - até pelos privilégios que tem, Gabriel é um otimista, alguém que aproveita a vida, e Nina, por sua vez, sente o peso da finitude e abandona seus sonhos.
Sem entrar em spoilers, falta ao filme uma recompensa ao espectador que acompanhou o nascimento e a solidificação da relação entre o casal. O clímax é otimista, alegre e emocionante, resolvendo o filme de maneira confortável mesmo abusando de soluções bobas e imediatas, mas o roteiro não se satisfaz. “Depois do Universo” busca a emoção fácil em uma espécie de epílogo que destoa do resto do filme em um melodrama novelesco e de saídas fáceis para o texto, ironicamente, uma escolha que o aproxima de outras histórias do gênero e empurra o filme para o campo do drama genérico.
Voltando ao parágrafo inicial, “Depois do Universo” é um filme do qual é fácil gostar. A fotografia de Kaue Zilli (“Cidade Invisível”) é bonita, colorida e moderna, assim como a linguagem que se aproxima de um público mais jovem. Mesmo em seu primeiro filme e deixando transparecer a inexperiência, Giulia Be é adorável e talentosa, fazendo um belo par com Henry Zaga (em seu primeiro trabalho no Brasil). É justamente pelas qualidades do filme serem tão visíveis que os defeitos são potencializados. Ao fim, o sucesso da Netflix é um filme agradável que perde a oportunidade de ser muito bom.
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