Os thrillers eróticos já foram tendência na indústria de cinema. Nos anos 1980, o genial Brian de Palma elevou os filmes do gênero com os ótimos “Vestida Para Matar” (1980) e o bom “Dublê de Corpo” (1984); antes disso, na década anterior, o cineasta já havia ensaiado o mergulho no gênero com “Irmãs Diabólicas” (1972) e “Trágica Obsessão” (1976), mas foi nos anos 1990 que os thrillers eróticos se tornaram blockbusters.
Com o sucesso de “Instinto Selvagem” (1992), de Paul Verhoven, os filmes do gênero começaram a pulular nos cinemas. Sharon Stone, responsável pela cruzada de pernas mais icônica do cinema, deixou de ser uma atriz de terceiro escalão para se tornar uma estrela. Após o filme de Verhoven, ela ainda estrelou “Invasão de Privacidade” (1993), “O Especialista” (1994), no qual contracenava com Sylvester Stallone, e “Intersection: Uma Escolha, Uma Renúncia”, com Richard Gere.
Demi Moore também embarcou na onda com “Proposta Indecente” (1993) e “Striptease” (1996), dois filmes que, apesar da temática sexual, são bem mais comportados que os de Stone - era o gênero chegando a seu limite da época, mas não antes de Stanley Kubrick, um dos maiores cineastas da História, levá-lo a outro patamar com “De Olhos Bem Fechados”. O filme de Kubrick é tenso e provocador do início ao fim. Pouco antes, David Cronenberg também tinha feito, a seu modo, um perturbador thriller erótico em “Crash: Estranhos Prazeres” (1996), e as irmãs Wachowski chegavam ao primeiro escalão de Hollywood com o ótimo “Ligadas Pelo Desejo” (1996).
Há, claro, outros exemplos como os teens “Garotas Selvagens” (1998) e “Segundas Intenções” (1999), mas houve um esgotamento. Agora, quase duas décadas depois, o gênero ganha um novo boom embalado pelo sucesso de “50 Tons de Cinza”, que colocou o erotismo de volta ao mainstream, e pelos serviços de streaming, que trazem produções de todos os cantos do mundo. Foi assim com o péssimo polonês “365 Dias” e agora com o lançamento da série mexicana “Desejo Sombrio”, que entende a fórmula que quer seguir e o faz com perfeição.
Fórmula de sucesso
Muito do burburinho em torno da série se dá pelo fato de sua protagonista ser a ex-”Rebelde” Maite Perroni, que vivia Guadalupe “Lupita” Fernández na novela teen mexicana. Maitê vive Alma, uma bem-sucedida professora que ministra cursos e seminários sobre violência de gênero, feminicídio e questões afins. Ela é casada com o juiz Leonardo Solares (Jorge Poza), um dos grandes magistrados do país, e com ele tem Zoe (Regina Pavón), uma jovem de 18 anos recém-ingressada na universidade.
Desconfiada de que seu marido a está traindo, Alma parte para um fim de semana ao lado da amiga Brenda (María Fernanda Yepes). Juntas elas vão a uma festa onde Alma conhece Dário (Alejandro Speitzer), um belo jovem de 23 anos com quem passa a noite. No dia seguinte, pouco após se despedir da amiga, Brenda é encontrada morta em sua banheira. Tudo indica que foi suicídio, mas será?
À medida que a trama se desenrola ao longo dos 18 episódios da primeira temporada da série, vamos conhecendo a família de Alma e entendendo o que está acontecendo ali. Também acompanhamos Esteban (Erik Hayser), irmão de Leonardo, mergulhando na investigação da morte de Brenda.
Sem revelar spoilers, vale dizer que a série tem bom ritmo, com episódios de duração de 35 minutos, em média, e a narrativa dividida em partes, como se fossem capítulos de um livro. O erotismo prometido está presente, mas passa longe de ser algo explícito - não há nudez e a câmera está sempre preocupada em esconder as partes íntimas dos atores.
O erotismo está no clima de proibido das escolhas de Alma e na tensão para manter seus segredos, algo que o roteiro trabalha bem. Os problemas do texto são algumas viradas artificiais demais para o gênero e na sua dependência de saídas fáceis. Alma e Leonardo têm comportamentos estúpidos que funcionam apenas para a trama caminhar.
No caso da protagonista, algumas escolhas irritantes são compreensíveis e servem para mostrar que a violência contra a mulher não tem classe ou nível de educação - como ela mesmo diz, é mulher com mestrado e doutorado. Já no caso de seu marido, a maneira como o roteiro conduz seu comportamento na primeira metade da temporada apenas o faz uma marionete da narrativa. Quando o espectador entende o que realmente está acontecendo, o sentimento é de que fomos enganados.
Uma característica interessante de “Desejo Sombrio”, como já disse, é a maneira como a série trata a violência de gênero, é quase como se ela explicasse e mostrasse as possibilidades. Vale destacar também como ela entende a violência que está se desenhando a sua frente, mas não consegue evitá-la.
A série tem problemas na maneira conservadora como filma as cenas de sexo, o que as torna não muito atrativas, e também carece de uma identidade própria - na maior parte do tempo, a série criada por Leticia López Margalli imita a estética de séries americanas, o que a coloca em um lugar de conforto para o espectador, mas limita suas possibilidades criativas. Ainda, as atuações carecem de força dramática - Maite se sai bem na maior parte do tempo, mas não parece sentir o peso de alguns acontecimentos. Erik Hayser e Regina Pavon também se destacam, mas Alejandro Speitzer é uma espécie de cigano Igor mexicano e Jorge Poza esbarra no exagero.
Ao fim, “Desejo Sombrio” é um envolvente e eficiente thriller erótico, uma série com boa atmosfera, boas reviravoltas e algumas soluções interessantes. A trama central se perde ao longo dos 18 episódios, uma temporada longa que poderia ter sido dividida em duas partes para dar mais urgência à trama e manter o interesse do espectador.
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