“Desjuntados”, que chega nesta sexta (1º) ao Amazon Prime Video, é uma série peculiar. Em virtude da pandemia, a Amazon levou algumas de suas produções brasileiras para Montevidéu, como “Manhãs de Setembro”, e o mesmo ocorre com a comédia escrita por Dani Valente e Mina Nercessian. Assim, a capital uruguaia faz as vezes do Rio de Janeiro, da Barra da Tijuca, para ser mais específico, na trama, uma história universal, mas, ao mesmo tempo, cheia de brasilidades.
“Desjuntados” é a história de um casal, ou, melhor, de um ex-casal. Camila (Letícia Lima) e Caco (Gabriel Godoy) tiveram uma ascensão social rápida, de um casal da Tijuca aos grandiosos condomínios da Barra da Tijuca. O problema é que ele, um engenheiro químico, foi demitido e nem sequer recebeu a rescisão, o que fez com que a renda da casa dependesse totalmente do trabalho de Camila como vendedora produtos de beleza num esquema multi-nível.
Para piorar, o casal enfrenta uma crise e decide pelo divórcio, mas ninguém tem condições de se sustentar por conta própria. A solução, então, é tentar dar um jeito de pagar as dívidas e vender o apartamento, ou de vender o apartamento para pagar as contas - a dívida do casal é uma espiral e há poucas soluções aparentes para ela.
O texto de Valente e Nercessian é certeiro ao dar espaço para os atores, uma característica talvez vinda do fato de ambas serem atrizes. Letícia Lima e Gabriel Godoy são ótimos como um casal em crise/separação, com uma química em tela que deixa transparecer as cicatrizes e os rancores do fim do relacionamento, mas que também deixa claro o carinho existente por duas pessoas que passaram tanto tempo juntas em um relacionamento outrora cheio de amor. Em alguns flashbacks (o inicial é ótimo), a série nos mostra como os dois se conheceram e se casaram, o que cria uma identificação ainda mais próxima do público com aqueles personagens.
Em apenas sete episódios de cerca de 25 minutos, “Desjuntados” usa bem os clichês da comédia romântica para gerar um conforto e entregar uma sensação de segurança ao espectador, mas também é uma série que ousa em alguns arcos. Não há um grande vilão ou comportamentos vilanizados - o Roberto Carlos de Rômulo Arantes Neto, por exemplo, poderia se tornar um antagonista para Caco, mas o texto os leva por outros caminhos.
É interessante quando esse conforto é “confrontado” por um humor nem sempre tão confortável assim, principalmente nas sequências de Caco. Gabriel Godoy aproveita as situações do texto para entregar uma boa dose de humor de constrangimento - a sequência da dinâmica de grupo é excelente.
“Desjuntados” é uma série surpreendentemente elegante, algo que não se espera de uma produção do gênero, com uma ótima direção de arte de Cláudia Andrade e a impecável trilha sonora dos irmãos Gui e Rica Amabis. Essa característica dá à série um ar elegante. Vale destacar também toda a “história” dos interlúdios que separam algumas sequências, mostrando que há vida nos grandes condomínios além das de seus ricos condôminos.
Com uma narrativa curta e até um pouco episódica, a série se concentra muito em seu arco principal e deixa possíveis boas histórias de lado. Assim, a trama do casal de vizinhos Ana (Letícia Isnard) e Guilherme (Marcelo Laham) é superficial. Da mesma forma, a série deixa de explorar um possível conflito com Roberto Carlos e Camila - a situação movimenta uma parte do texto dele, mas o outro lado é ignorado de forma simplista e irreal.
Com um elenco enxuto devido à pandemia, “Desjuntados” também é uma série um pouco humanamente esvaziada, o que não chega a ser um problema e até confere um charme e ela, mas também pode passar uma sensação de artificialidade. Além dos personagens já citados, há Paty (Danni Suzuki) e Marcinho (Yuri Marçal), que têm certo destaque, e alguns outros que aparecem pontualmente, como os pais de Caco, Joana (Virginia Cavendish) e Jandira (Solange Teixeira); todos com suas funções bem definidas na trama, sejam elas cômicas, ou sejam elas de movimentação de roteiro.
“Desjuntados” é uma série que surpreende e agrada por entregar o que o público espera dela, mas não necessariamente da forma como o público espera. Alternando humor físico com piadas que nem sequer fazem graça (mas funcionam), o texto de Dani Valente e Mina Nercessian encontra na sua dupla de protagonistas os intérpretes ideais capazes para uma história de separação cheia de cicatrizes, afeto e consideração.
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