A necessidade de sobrevivência e a luta por sobreviver sozinho, em meio a adversidades, normalmente rendem bons filme. Dos hoje clássicos “Náufrago” (2000) e “Gravidade” (2013) aos cultuados “Na Natureza Selvagem” (2007) e “Perdido em Marte” (2015), passando por obras como “O Regresso” (2015) e “127 Horas” (2010), apenas para ficar em alguns muitos exemplos. Normalmente é fácil se relacionar com os personagens e torna inevitável pensar “e se fosse comigo?”. Talvez essa fácil identificação justifique o sucesso do espanhol “Destinos à Deriva”, sucesso na Netflix.
Para início de conversa, é necessário destacar que “Destinos à Deriva” não é uma história real – qualquer link que pergunte isso é apenas um caça-cliques. Dito isso, o filme dirigido por Albert Pinó, diretor de episódios em séries como “La Casa de Papel” e “Sky Rojo”, lida com questões que o aproximam da realidade. Quando tudo tem início, no atípico primeiro ato, conhecemos Mia (Anna Castillo, de “Um Conto de Fadas Perfeito”) e Nico (Tamar Novas), um casal em fuga. Não entendemos exatamente do quê ou de onde estão fugindo, mas, ao lado de outras pessoas, eles estão a caminho da Irlanda, um país que “não vai se render ao regime”. O filme nunca deixa claro o que está acontecendo, mas aparenta ser a instauração de um regime muito similar ao da Gilead de “The Handmaids Tale”, por exemplo.
Mia e Nico são separados durante a fuga e ela acaba sendo a única sobrevivente de seu grupo, sozinha em um contêiner que acaba caindo do navio durante uma tempestade. Sem contato com o resto do mundo, com suprimentos limitados e à totalmente à deriva. Ah… Mia também está com uma gravidez bastante avançada, como se não bastasse todo o drama.
Os momentos iniciais de “Destinos à Deriva”, quase um prelúdio, são muito bons. Ao colocar o espectador em meio à fuga, mesmo sem muita informação, o filme mostra a urgência da situação, algo que justifica uma mulher grávida se arriscar na fuga. É só quando Mia se vê sozinha que o filme tem início de verdade. O desespero da personagem é palpável, mas não parece haver muito a ser feito. Anna Castillo entende a demanda do texto por uma mulher à beira de perder o controle, de desistir, mas que percebe que sua escolha, naquele momento, não é mais só sua.
O roteiro de Indiana Lista, Ernest Riera, Seanne Winslow e Teresa de Rosendo é eficaz, mas poderia ser mais bem trabalhado. Algumas escolhas feitas por Mia até são óbvias, trazendo a pergunta “o que eu faria?” para o filme, mas outras parecem atropeladas e exageradas. O texto pega referências óbvias de “Gravidade” ao misturar ficção e realidade na cabeça de Mia, mas perde algumas oportunidades de fazer o espectador questionar o que está vendo ao logo mostrar se é real ou não. Essa opção torna tudo mais real, mas tira um pouco da poesia que o terceiro ato poderia suscitar no encontro com as baleias.
Em alguns momentos, imagina-se que Mia está há semanas à deriva, mas apenas alguns dias se passaram; em outros, encontra e executa soluções com muita facilidade, o que funciona para o ritmo do filme, mas o afasta da realidade. Da mesma forma, a recuperação após um machucado grave deixaria até mesmo Wolverine e seu fator de cura orgulhosos.
O roteiro busca a proximidade com o público através da dor, da violência de uma mulher grávida à deriva e dos riscos para ela e o bebê. Ainda, é possível traçar diversos paralelos entre o filme e a situação de imigrantes mundo afora ou até mesmo com o isolamento causado pela pandemia, despertando a empatia generaliza com algo por que o mundo inteiro passou.
“Destinos à Deriva” não é incrível, com alguns problemas de ritmo, mas cumpre seu papel como filme de sobrevivência e desperta a identificação do público. Com uma boa atuação de Anna Castillo, que segura o fato de estar o tempo todo em cena, e algumas cenas surpreendentemente gráficas, o filme é duro ao colocar o espectador na pele de Mia para, ao fim, oferecer a recompensa.
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