Alex Garland é um dos nomes mais interessantes da produção cinematográfica recente. Inicialmente roteirista dos filmes de Danny Boyle (“Extermínio”, “A Praia”, “Sunshine”), o cineasta também é responsável pelo texto do delicado “Não Me Abandone Jamais” (2010), de Mark Romanek, e se arriscou pelo mundo dos games (“Devil May Cry” e “Enslaved”) antes de encarar seu primeiro filme como diretor, “Ex Machina” (2014). A ficção científica foi um dos melhores filmes daquele ano e teve duas indicações ao Oscar: Roteiro Original e Efeitos Visuais (que venceu).
A recepção do filme tornou Garland um queridinho em Hollywood, mas a indústria aparentemente não estava preparada para as ideias do diretor. “Aniquilação”, seu trabalho seguinte, se tornou um exemplo da briga entre estúdios e realizadores; com o filme em mãos, A Paramount queria que Garland o reeditasse para torná-lo mais acessível, mas, para o azar do estúdio, o produtor Scott Rudin, que tinha direito ao corte final, se manteve ao lado do diretor. A Paramount, então, optou por lançar o filme em mercado restrito nos EUA e vender seus direitos para a Netflix mundo afora. A crítica adorou a adaptação dos livros de Jeff VanderMeer para as telas, mas o público ficou dividido - misturando drama, ação, terror e filosofia, “Aniquilação” realmente não é um filme fácil.
Talvez desgastado pela briga com o estúdio (Garland sempre quis que seu filme fosse lançado nos cinemas), o cineasta tenha feito de seu mais novo projeto, “Devs”, uma minissérie para a televisão. Lançada originalmente pelo serviço Hulu, nos EUA, a série chegou aqui pelo canal Fox Premium e pelo aplicativo de streaming da Fox. São oito episódios que trazem muito do que se espera de uma produção do cineasta, ou seja, ficção científica com um ritmo particular, estilo e questões existenciais que o tempo todo fazem o espectador se questionar acerca de sua própria existência.
A série tem início acompanhando o casal Lily (Sonoya Mizuno) e Sergei (Karl Gusman), dois funcionários da gigante da tecnologia Amaya. Sergei é convidado por Forrest (Nick Offerman), dono da empresa, para integrar o time de seu projeto mais secreto, o Devs. Muito a partir daqui a é spoiler, e, por isso, talvez seja interessante até fugir de algumas sinopses que revelam mais do que deviam - pode até fazer parte da premissa, mas assistir à série sem conhecer essas informações causa um impacto maior.
“Devs” funciona como um exercício de estilo, mas consegue ir além com uma boa história, uma alternância de ritmos interessante e personagens que te fazem querer voltar àquele universo. Aos poucos vamos descobrindo como funciona e o que é desenvolvido no misterioso projeto. À medida que mergulhamos nele, menos entendemos e não tem problema nenhum nisso.
Ao contrário do material de um Christopher Nolan, por exemplo, “Devs” explica somente o necessário para que a audiência acompanhe o desenvolvimento da história, ou seja, Garland não faz questão nenhuma de te fazer entender como seus personagens fazem aquilo, ele apenas quer que você saiba o que aquilo pode causar.
Assim, “Devs” introduz teorias do multiverso, questões religiosas, livre arbítrio, etc. A discussão ganha peso pelas atuações de Nick Offerman e Alison Pill, cujos personagens estão mais acostumados à ciência da série. Acostumado a comédias, Offerman surpreende com um Forrest que entende o peso de seus atos, mas insiste em continuar; é dele, e não na protagonista, a dor de maior identificação. Já Katie (Pill) é a voz da ciência, é quem se inseriu no código e já não consegue dissociá-la do resto da existência.
“Devs” é uma minissérie bonita - a história tem início, meio e fim, sem possibilidade de uma segunda temporada - que mistura ritmo de thriller com pura contemplação existencial. A série criada por Alex Garland é tecnicamente impecável, com montagem e edição de som de fazer inveja a blockbusters.
Ao fim, a minissérie é climática, imersiva, e pode parecer fria em alguns momentos, afastando o público não tão acostumado ao trabalho de Garland; ironicamente, ao mesmo tempo, alguns de seus problemas de roteiro estão justamente em concessões para se tornar mais convencional. “Devs” usa o macro para falar do micro, do aspecto pessoal em meio a algo muito mais amplo. A série é ambiciosa o suficiente para arriscar e ousar em seu final, indicando um caminho e seguindo por outro até chegar ao desfecho que talvez funcione de acordo com as crenças ou descrenças de cada um.
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