Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Diário de um Gigolô", da Netflix, é uma bagunça constrangedora

Sucesso na Netflix, "Diário de um Gigolô" se vende como uma novela sensual, mas se apresenta como um suspense de viradas previsíveis e com informação em excesso

Vitória
Publicado em 15/09/2022 às 23h26
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Série "Diário de um Gigolô", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

O que seria da dramaturgia sem as péssimas ideias? Sem dúvida, obras como “Diário de um Gigolô” não existiriam. Sucesso na Netflix, a série produzida pelo canal Telemundo (especializado em conteúdo em espanhol para os EUA) é uma grande mistureba de clichês, mas tem seu fio narrativo conduzido pela história de Ana (Fabiola Campomanes), uma mulher bem-sucedida que se habitou a contratar os serviços de um garoto de programa, Emanuel (Jesús Castro).

A relação entre ambos é profissional, mas há carinho e consideração além da fisicalidade - a confiança de Ana em Emanuel é tanta que a faz ter a tal péssima ideia que abre o texto: ela acha ser de ótimo tom pagar para que ele se aproxime de sua filha, Julia (Victoria White), uma jovem artista “travada” desde a morte do pai. Em uma conversa com uma amiga, Ana chega à conclusão de que tudo o que a filha precisa é de sexo para “desabrochar”. É óbvio que tudo desanda, relações ruem, amores surgem repentinamente armando uma grande e novelesca confusão.

“Diários de um Gigolô” é um enorme caos de arcos narrativos. Há o “triângulo” entre Ana, Emanuel e Julia, mas a série também investe em um drama do garoto de programa para encontrar o irmão, ensaia um mergulho no mundo dos gigolôs em uma estrutura organizacional comandada por Minou (Adriana Barraza) e a filha, Flor (Begoña Narváez), com quem Emanuel tem um relacionamento entre a fraternidade e o desejo carnal. Ainda, o roteiro propõe uma investigação à indústria farmacêutica e uma trama de assassinato utilizada como fio condutor da trama - é pelos depoimentos de suspeitos que vamos conhecendo os personagens e as situações.

“Ao final do dia, todos nos vendemos por algo”, diz Emanuel no primeiro episódio, quando é detido como suspeito de tal assassinato. É essa afirmação que “Diário de um Gigolô” tenta levar ao espectador como uma provocação, mas nem sempre funciona. A série da Netflix se vende como thriller sensual, mas há pouco suspense e também pouca sensualidade. Em seus 10 episódios, a série funciona melhor quando abraça suas influências novelescas e o absurdo melodrama inverossímil de relações familiares e no arco de amadurecimento de Julia.

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Série "Diário de um Gigolô", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

É interessante acompanhar a transformação de Julia e o mergulho de Ana em uma espiral de loucura, mas “Diário de um Gigolô” funciona basicamente como um “mommy porn” e entende isso desde o início, o que fica claro com o discurso acerca da liberação sexual feminina e do desejo. A narrativa fetichiza as relações de mulheres mais velhas com os garotos de programa, mas erra ao mostrar as clientes como pessoas carentes em busca puramente de atenção.

Todo o lado sexual da série é muito asséptico e romantizado, com cenas de sexo seguras, feitas com montagens de cortes rápidos e nada explícitos - há um mamilo aqui, uma sombra acolá… nada que impedisse que a série fosse exibida na TV aberta brasileira sem cortes.

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Série "Diário de um Gigolô", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Ao se assumir novelesca desde o primeiro fotograma, “Diário de um Gigolô” tira tal crítica do caminho, algo similar ao que faz “Quem Matou Sara?”. O grande problema da série, assim, é a falta de foco que dá a impressão de que os roteiristas não sabiam exatamente o que fazer com os personagens e, por isso, desenvolvem algumas subtramas com eles; Emanuel ganha um clube de luta clandestina e tem que lidar com um agiota, Ana tem um conflito com uma amiga além de seu drama com o marido dono de um laboratório responsável pela venda de um forte medicamento que pode causar dependência; ainda há um ou outro arco com outros garotos de programa para render as esperadas cenas sensuais.

“Diário de um Gigolô” é uma bagunça tão grande que torna quase divertido assistir às saídas encontradas pelos roteiristas da série para fechar seus arcos. As viradas são previsíveis e o roteiro usa muletas, como lembranças repentinas, para colocar a trama em movimento, um recurso que depende do espectador comprar aquela lembrança repentina sem sentir sua inteligência sendo subestimada.

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Série "Diário de um Gigolô", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Ao fim, é como se a maior parte do que foi visto nos dez episódios não fizesse sentido algum e a trama pudesse ser resolvida com folga em apenas dois. “Diário de um Gigolô” é uma série fácil de ser consumida e incomoda pouco, mas nunca entrega ao espectador uma recompensa que justifique o tempo gasto.

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