Em 1997, os Titãs ousaram. Um dos principais nomes do rock no Brasil nos anos 1980 e 90, tendo lançado discos pesados como “Cabeça Dinossauro” (1986) e “Titanomaquia” (1993), além de trabalhos experimentais como “Õ Blesq Blom” (1989), os Titãs abraçaram o pop. O “Acústico MTV” da banda não foi apenas um disco ou um DVD, foi um acontecimento para a banda que vinha de bons trabalhos, mas sofria com a saída de Arnaldo Antunes.
Grandioso, com orquestra, novos arranjos e convidados como Fito Paez, Marisa Monte e Jimmy Cliff, o show conseguiu colocar a banda de volta no primeiro escalão da música brasileira, comercialmente falando. Várias músicas entraram na rotação de rádios país afora e os clipes eram exibidos na MTV quase sem parar - o canal, afinal, era um dos realizadores do especial que virou uma longa turnê.
Ao “Acústico” se seguiu o “Volume Dois”, disco de estúdio com pegada parecida, mas o registro de 97 nunca foi devidamente comemorado. Agora, 23 anos depois, a banda lança o primeiro dos três EPs “Titãs Trio Acústico”, projeto para celebrar aquela realização.
“Era algo muito pedido pelos fãs”, conta Sergio Britto, que toca piano, baixo e canta no disco. “Nós tínhamos duas opções: fazer da mesma forma como foi o ‘Acústico’ ou novamente tentar outro caminho”, completa o músico, em entrevista por telefone. A escolha, fazendo jus à história dos Titãs, foi pela mudança.
Com oito músicas, o disco é praticamente minimalista, deixando de lado a grandiosidade do show de 97 e, mais ainda, a dimensão do último trabalho da banda, a ópera rock “Doze Flores Amarelas”, lançada em 2018. “A gente foi para o máximo para agora vir para o mínimo. O projeto é seco, enxuto, um conceito que nos empolgou”, revela Britto.
O projeto “Titãs Trio Acústico” é assinado apenas pelos integrantes originais remanescentes: Tony Belotto, Branco Mello e Sergio Britto, mesmo que os “novos” Titãs Mário Fabre (bateria) e Beto Lee (guitarra) deem as caras na nova versão de “Família” e em momentos do show do projeto.
Sergio Britto
Vocalista e tecladista dos Titãs
"A gente foi pro máximo pra depois vir pro mínimo. Acho que quando a gente pensou em fazer essa celebração do acústico de 97, o que muitos fãs vinham pedindo, a gente falou: 'temos duas opções: fazer como foi ou tentar ou tentar outro caminho'"
“Tem a ver com a essência da banda, mas também com o formato dos ensaios. Quando começamos a ensaiar para esse projeto, éramos só nos três na sala da casa do Branco. Brinco que essas versões são como se recebêssemos as pessoas para tocar na sala de casa”, conta Sergio.
O disco
O primeiro dos três EPs traz algumas escolhas óbvias como “Sonífera Ilha”, “Isso” e “Por Que Eu Sei Que é Amor”, mas também algumas opções mais ousadas como “Tô Cansado” e “Miséria”, todas em versões nunca registradas.
A primeira, claro, continua um contagiante ska, mas ganha ares diferentes com o piano e uma levada ainda mais ligada ao ritmo jamaicano. "O clipe tem participações de gente que fez parte da nossa história (Lulu Santos, Fernanda Montenegro, Paralamas do Sucesso, Rita Lee, entre outros", conta o músico.
“Por Que Eu Sei Que é Amor” é quase uma balada Motown, algo que poderia ser gravado pelo Temptations, com belas melodias vocais e estalos de dedos marcando o tempo. Já “Isso”, mesmo sem guitarras e bateria, mantém o clima da original, presente no disco “A Melhor Banda dos Últimos Tempos da Última Semana”; a novidade é que a música marca a estreia de Tony Belotto nos vocais após quase 40 anos de banda. “O Tony sempre cantou, mas acabou ficando de lado porque nós já tínhamos muitos cantores”, brinca Sergio. “Desde a saída do Paulo (Miklos) que a gente tem incentivado o Tony a cantar. Sempre fomos uma banda de muitas vozes, como os Beatles, pra dar um exemplo exagerado (risos). Faz parte da nossa estética e funciona bem”.
Antes que eu pudesse emendar a próxima pergunta, Sérgio interrompe: “desculpa te interromper, mas já que falei dos Beatles… Não tô comparando as bandas, tá? (risos). Eu tenho ouvido muitas coisas deles de bootlegs (piratas) e sobras de estúdios, e as músicas são versões diferentes, cruas, com elementos que eu não reparava nas músicas antes, com aqueles arranjos tão bem acabados dos discos. Acho que esse projeto nosso tem um pouco desse espírito”, pondera.
Voltando a Tony, ele também assume os vocais em “Querem Meu Sangue”, cantada numa versão híbrida de português, como eternizada pelos Titãs, e inglês, como originalmente gravada por Jimmy Cliff.
O destaque do disco é “Miséria”. Gravada originalmente em “Õ Blesq Blom”, um disco cheio de experimentos eletrônicos e samplers, a música ganha versão ao piano. “Sou suspeito, mas é minha xodó”, brinca Britto, autor e cantor da música. “Tinha feito tudo com programação eletrônica na época, e transcrever isso para o piano foi muito legal”.
“Tô Cansado”, um punk rock "lado B" lançado em “Cabeça Dinossauro”, não perde a urgência na versão voz e violão cantada por Branco Mello. "Gosto muito dessa versão. Gosto das músicas menos manjadas, sabe? É engraçado", analisa o músico.
O EP se encerra com “Família”, única música a fugir do formato trio do EP. Sucesso na voz de Nando Reis, a música ganha novas harmonizações de vocais, mas se mantém como um agradável reggae.
As versões mais intimistas para músicas conhecidas funcionam como um aconchego em tempos de quarentena e coronavírus. Sérgio explica que a banda não pensou em adiar o lançamento (os outros dois EPs estão programados para sair ainda este ano) mesmo tendo a ciência de que os shows de lançamento não seriam possíveis no momento. “Como já estamos trabalhando esse projeto há um ano, muita gente já sabe do que se trata. Achamos que as pessoas terão tempo para ouvir e que pode até ser um conforto neste momento”.
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