Quão interessante pode ser um filme sobre dois idosos conversando a maior parte do tempo? Quais as chances dessa trama oferecer uma dinâmica interessante ao público? “Dois Papas”, de Fernando Meirelles, é exatamente isso. Em cartaz no Sesc Glória, em Vitória, e em circuito restrito Brasil afora, o filme chega dia 20 de dezembro à Netflix credenciado por boas críticas e por quatro indicações ao Globo de Ouro: Melhor Filme Drama, Melhor Roteiro (Anthony McCarten), Ator Coadjuvante Drama (Anthony Hopkins) e Ator Drama (Johanthan Pryce).
O filme tem início em Buenos Aires, pouco antes da morte do papa João Paulo II, em 2005, quando conhecemos Jorge Bergoglio (Johnathan Pryce), o arcebispo boa praça da capital argentina. Com a morte do papa, um conclave é convocado para a escolha de um novo pontífice, e é neste momento que somos apresentados ao cardeal alemão Joseph Ratzinger (Anthony Hopkins). Ratzinger representa o conservadorismo da Igreja Católica e obviamente é a escolha mais segura; já o reformista Bergoglio é um homem do povo, simples, que lida de maneira diferente com a fé e acredita em novos caminhos para a igreja. Bergoglio não quer o posto, já Ratzinger faz todo o jogo político para chegar até lá.
Anos depois, quando o argentino decide se aposentar, é convocado pelo agora papa Bento XVI (Ratzinger) para uma conversa na Itália; a Igreja Católica passa por uma crise, com escândalos de corrupção envolvendo o banco do Vaticano e crescentes casos de pedofilia acobertados pela alta cúpula. O papa se vê cada vez mais isolado, mas sem abrir mão de suas convicções - a discussão sobre fazer concessões e mudar é ótima.
Sim, eu sei, não parece muito interessante - acontece que Meirelles e McCarten criam um ambiente perfeito para as atuações brilhantes de Pryce e Hopkins, que comandam o filme com atuações exuberantes. Em um primeiro momento (a cena do banheiro, ainda no conclave, é espetacular) os dois personagens não poderiam ser mais diferentes, uma clara contraposição entre o charme latino e popular de Bergoglio (amante de tango e futebol) e o pragmatismo elitista de Ratzinger.
Meirelles filma os ambientes com amplitude, tanto na bela “casa de praia” do papa quanto no Vaticano, dando a real dimensão da grandiosidade e da pompa daqueles ambientes. Enquanto isso, o texto, mesmo que dê protagonismo a Bergoglio, torna Ratzinger uma figura bem menos odiosa. Sim, o papa Bento XVI é um sujeito frio, distante da realidade do povo e avesso a mudanças nas tradições católicas, mas nem por isso um cara ruim, um “nazista”, como muitos o tratavam. O roteiro mostra um papa duro, mas com um senso de humor peculiar (“é uma piada alemã. Não precisa ter graça”).
Resgate histórico
No terceiro ato, uma mudança na narrativa aproxima os dois protagonistas. A comédia de costumes e os excelentes diálogos provocadores dão espaço para um resgate histórico sobre a ditadura militar na argentina (1966-1973), período em que membros da igreja que se colocaram ao lado do povo foram perseguidos e mortos no país. A atuação de Bergoglio, mais próxima ao governo do que dos revolucionários, é até hoje criticada por alguns.
É difícil dizer o que é real e o que é ficção no roteiro de McCarten, pois o teor desses encontros foi pouco divulgado. Por isso, ao final do filme, Meirelles resgata imagens de arquivo (e recria outras já populares) que se não sustentam a totalidade de seu filme, dão credibilidade ao resultado final. “Dois Papas” é um espetáculo simples, um filme elegante e bem-humorado, mas que também encontra espaço para a dor e a política. É um filme sobre mudanças e transformações, mas também um ótimo estudo sobre dois personagens importantes na história recente, uma obra que humaniza uma figura tão distante e idolatrada como a do papa.
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