No início dos 2000, o Rio de Janeiro foi assolado por uma onda de assaltos a prédios e condomínios de luxo. O caso ganhou ainda mais repercussão pelo fato de o chefe da quadrilha ser um jovem loiro, de olhos azuis e sempre bem arrumado, o estereótipo do playboy carioca da zona sul da cidade na época. De fato, Pedro Dom era tudo isso.
Filho de um ex-policial, Pedro Machado Lomba Neto, o Pedro “Dom”, teve contato com as drogas muito cedo e logo passou a realizar pequenos furtos para sustentar o vício em cocaína. Foram 14 internações, mas Dom nunca conseguiu largar o vício e a vida no crime.
A história de Pedro Dom foi noticiada à exaustão na época, mas chegou com detalhes ao cineasta Breno Silveira (“2 Filhos de Francisco”) pelas mãos de Victor, pai de Pedro. Breno então convidou o escritor Tony Bellotto para escrever o roteiro de um filme sobre o jovem, mas o projeto acabou engavetado por quase uma década. Foi Malu Máder, esposa de Tony, que encontrou o rascunho do roteiro e incentivou o marido a lançar aquele texto como um livro. Lançado em maio de 2020, “Dom” é um dos melhores trabalhos literários do guitarrista dos Titãs e agora serve de base para a série homônima que chega nesta sexta (4) à plataforma da Amazon Prime Video.
Ser lançada como série é o que possibilita a história de Pedro Dom ser tão bem contada - como o próprio Breno Silveira, showrunner da série, afirmou em entrevista à coluna, “tudo ficaria de fora. Seria impossível contar essas histórias, dessa forma, em um filme”. “Dom” tem oito episódios que misturam o livro de Bellotto às lembranças lançadas pelo pai de Pedro.
A série começa acelerada, com Victor (Flávio Tolezani) indo buscar Pedro (Gabriel Leone) em um baile funk no morro. A princípio, a reação do pai parece um pouco exagerada e até caricata. Os acontecimentos que sucedem esse fato também são de difícil compreensão em um primeiro momento, principalmente pela reação de Pedro - fica claro que há muito mais naquela história, na relação entre pai e filho, do que o que estamos acompanhando naquela cena.
Felizmente, “Dom” tem uma narrativa não linear e divide seus arcos entre Pedro e Victor. Somos levados ao Brasil da ditadura, época em que o jovem Victor (Filipe Bragança), de maneira inocente, inicia seu trabalho contra o tráfico de cocaína e conhece as entranhas dos morros cariocas trabalhando como agente infiltrado.
Ao dar a mesma importância aos dois arcos, a série ressalta não se tratar apenas da história de Pedro Dom, mas principalmente do drama familiar da relação entre pai e filho - Victor dedicou a vida na luta contra o tráfico de cocaína, às vezes sacrificando sua família no processo, então sente o peso da culpa nas decisões tomadas pelo filho. E se ele estivesse mais presente?
“Dom” é um thriller policial, mas tem seus melhores momentos na reação entre Pedro e Victor. Gabriel Leone e Flavio Tolezani criam uma dinâmica complexa que mistura decepção, conflitos e revolta, mas principalmente muito amor e muita cumplicidade. Esse aspecto reforça o que a série tem de mais interessante, seus personagens. Exceção feita ao misterioso Arcanjo (Wilson Rabelo), todos os personagens de certa importância ganham alguma profundidade.
Personagens como as parceiras de crime do protagonista, Jasmin (Raquel Villar) e Viviane (Isabella Santoni), reúnem características de pessoas que tiveram importância na vida de Pedro e se tornam essenciais nas viradas da série. É interessante como o roteiro não cria a tão comum rivalidade feminina entre elas mesmo quando as coloca de lados opostos. Apesar de terem seguido caminhos se cruzando, Jasmin e Viviane são diferentes. A primeira é uma jovem do morro, de poucas oportunidades, deslumbrada pelas possibilidades do crime. Já Viviane é quase uma versão feminina de Pedro, uma jovem da zona sul que se encanta pelas drogas e pela loucura do crime.
A escolha por uma narrativa não-linear ajuda “Dom” a brincar com diferentes ritmos na história e até com a expectativa da audiência. A série começa agitada, na loucura, como era a vida de Pedro, regada a cocaína em baladas nos bailes funks (recriados com excelência e grandiosidade), mas tem alguns momentos de desaceleração.
No quinto episódio, entendemos como tudo começou, ainda na infância/pré-adolescência de Pedro Dom, e entendemos também o drama causado pelo vício naquele núcleo familiar. Acompanhamos as internações de Pedro e até alguns momentos de calmaria que antecedem as tempestades da vida do jovem.
Vale ressaltar as atuações tanto de Gabriel Leone quanto de Guilherme Garcia, que vive Dom na adolescência. Ao contrário do que acontece em muitas produções com personagens retratados em períodos diferentes, é muito fácil comprar a ideia de que são a mesma pessoa. Os dois atores criam um Pedro complexo e natural dividindo características físicas e maneirismos do personagem. Ainda falando da naturalidade de Pedro, é importante destacar o trabalho da direção de atores, pois exceção feita a um ou outro personagem, todos os diálogos parecem ser ditos de maneira espontânea, e não como um texto decorado.
“Dom” é um bom e grandioso thriller, algo de dimensões não vistas na dramaturgia brasileira, mas é também ótimo drama que não faz julgamentos - no momento em que Pedro é levado à Febem, por exemplo, é impossível não sentir a revolta do jovem, mas também é difícil não entender a escolha de Victor de não usar sua influência para mais uma vez livrar a barra do filho. As atuações de Laila Garin e Mariana Cerrone como Marisa e Laila, respectivamente mãe e irmã de Pedro, são ótimas e ajudam a dar o peso do arco familiar.
Para conferir esse ritmo de thriller, as lacunas na vida de Pedro Dom foram preenchidas com ficção no livro de Bellotto e na série da Amazon. O texto recria o clima do Rio de Janeiro nos anos 1990 e 2000, e mistura fatos conhecidos, como alguns roubos e as internações de Pedro, a elementos, acontecimentos e personagens fictícios. Deixar isso claro é importante para que a série funcione como uma obra de ficção baseada em fatos, mas não necessariamente como uma cinebiografia. Ironicamente, Breno Silveira afirma que algumas das sequências mais absurdas da série realmente aconteceram daquela forma. A vida às vezes é mais estranha do que a ficção.
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