Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" leva Marvel ao limite

Mesmo sem ser o prometido filme de terror subversivo da Marvel, "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" leva a fórmula do MCU ao limite graças ao estilo de Sam Raimi

Vitória
Publicado em 04/05/2022 às 17h36
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Filme "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura". Crédito: Disney/Divulgação

“Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” tem um papel complicado no Universo Cinematográfico Marvel, suceder o filme-evento/surto coletivo que foi “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa”. A introdução do multiverso no filme do Aranha, algo já ensaiado pela série “Loki”, foi responsável pelo frenesi dos fãs mundo afora, abrindo diversas possibilidades pelas quais o público ansiava, e agora cabe ao filme dirigido pelo lendário Sam Raimi sanar esse anseio.

A boa notícia é que “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” é justamente o que se imagina de um filme de Sam Raimi, a ruim é que o filme também abusa das fórmulas e estruturas do universo Marvel/Disney, dando a impressão que o roteiro de Michael Waldron (responsável por “Loki”) mantém Raimi sob controle e o filme, no piloto automático.

O filme tem início em alta rotação, com America Chavez (Xochitl Gomez) fugindo de uma criatura ao lado do Doutor Estranho, mas não o personagem que conhecemos no MCU. Após a sequência, um festival de computação gráfica de gosto duvidoso, America usa seu poder e logo somos levados ao “nosso” Doutor Estranho acordando com as imagens que acabamos de presenciar e tratando-as como um sonho. Não demora e o caos se instaura com novos e antigos personagens, e novas versões de antigos personagens, tomando conta da tela.

O estilo de Raimi se faz presente desde o primeiro instante, provando ser possível criar identidades no Universo Marvel, ao menos quando se trata de linguagem e estética - James Gunn, Chloé Zhao e Taika Waititi, afinal, já imprimiram suas assinaturas em filmes do MCU. “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” é de fato o primeiro filme de horror da Marvel, um horror controlado, Disney, mais provocado pela viagem visual e lisérgica do diretor. Essa estética confere um ar macabro e às vezes até cruel à jornada do filme, principalmente em sua segunda metade.

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Filme "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura". Crédito: Disney/Divulgação

Como o personagem de Benedict Cumberbatch não tem bagagem solo sustentar em uma aventura grandiosa, o texto logo (e acertadamente) o conecta a eventos com os quais o espectador pode se relacionar, como o já citado último filme do Homem-Aranha e até mesmo “Vingadores: Ultimato” (2019). Toda a questão do multiverso e o seu funcionamento também são rapidamente explicados logo no início, para ambientar os não-iniciados e os esquecidos. Ter visto os filmes anteriores do MCU ajuda, claro, principalmente nas referências a aparições, mas não é tão essencial assim.

Apesar de alguma exposição e de inevitáveis explicações, o texto de Waldron é enxuto e sempre em movimento - “Multiverso da Loucura” se apresenta e logo entra em um ritmo frenético que potencializa o cinema de Sam Raimi. Mesmo sendo possível reconhecer a assinatura do diretor desde a primeira sequência, é na brutalidade da segunda metade que Raimi abre as asinhas.

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Filme "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura". Crédito: Disney/Divulgação

É interessante como o diretor leva a fórmula e as amarras Marvel ao limite. Raimi se aproveita de todas as possibilidades de um multiverso e de versões diferentes dos personagens que conhecemos para brincar com essas “instituições”. Assim, o Stephen Strange de outro universo age de maneira inesperada, mas tudo bem, não é o herói Marvel. Isso fica muito claro nos desdobramentos da já citada sequência de abertura. O filme também traz as mortes mais cruéis e estilizadas no Universo Marvel - estamos, afinal, falando do sujeito que criou um estilo de terror pop e divertido com “Evil Dead”.

É quase irônico que o roteiro de “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” não tenha no personagem-título seu real protagonista. O herói vivido por Benedict Cumberbatch obviamente tem seu tempo de tela, mas seu arco é simples, a dor da perda de seu grande amor, Christine (Rachel McAdams, com bom tempo de tela) e as consequências dessa perda. Neste cenário, é Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) quem brilha e empresta complexidade ao texto, e Sam Raimi tira o máximo de proveito desse aspecto.

Wanda é uma mulher torturada pelas perdas e em uma espiral de sofrimento que a leva a lugares perigosos de sua psique. A Feiticeira Escarlate é responsável pelo arco dramático do filme e é com quem o texto pede que o público se identifique, uma escolha que oferece uma recompensa um pouco torta mais adiante e que obviamente funciona melhor para quem assistiu “WandaVision”. Como todos esperam desde a citação do multiverso, o filme tem várias aparições de outros personagens do universo Marvel, uma surpresa real e outras que já são faladas há bastante tempo. Uma das duas cenas pós-créditos, inclusive, traz uma dessas surpresas que causarão gritos e palmas nos cinemas; duas das participações mais legais, no entanto, colocarão pontos de interrogação na maioria do público.

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Filme "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura". Crédito: Disney/Divulgação

Tecnicamente, o filme é o que se espera dele: um festival de computação gráfica e ambientes totalmente criados digitalmente. Incomoda em muitos momentos, mas funciona para criar a narrativa psicodélica que Raimi e Waldron pensaram. Merece muito destaque, ainda, a incrível trilha sonora de Danny Elfman, que cria climas para cenas mais tensas e literalmente (sim, o uso da expressão está correto) se transforma em parte do caos nos momentos mais agitados do filme.

“Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” não é o filme subversivo da Marvel, mas é um filme que leva a fórmula ao limite e faz com que o público, e quiçá os produtores, se questionem: e se a Marvel finalmente fizesse um filme com classificação etária mais alta? Sam Raimi mostra que seria no mínimo interessante trabalhar com um texto menos formulaico e uma liberdade para brincar com ele.

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