Eu estava em uma entrevista com Mano Brown quando foi anunciada a morte do baterista dos Rolling Stones, Charlie Watts. Depois, saí correndo para uma consulta médica, mas o tempo todo pensando no elegante senhor de 80 anos que desde 1963 dava o ritmo da banda britânica e também no que eu poderia escrever acerca dele. Mais do que um rock star, Watts era um sujeito muito interessante, um dos mais intrigantes do mundo do rock.
Watts era a definição de um lorde britânico, elegante, com ternos bem cortados nunca espalhafatoso como Mick Jagger, Keith Richards ou Ron Woods - isso não significa, no entanto, que ele não tenha tido sua dose de loucura. Watts contou, em entrevista ao jornal britânico “Mirror”, que abusou de drogas e álcool nos anos 1980, mas felizmente conseguiu largar sem grandes dificuldades após quebrar o tornozelo.
“Eu nunca sabia se o Ronnie (Woods) estava bêbado ou não. Keith (Richards) vive permanentemente daquela forma, mas eu nunca tive problema com nenhum dos dois”, explicou o músico. “Mas não funcionou para mim, sou feliz em dizer. Eu ficava louco e quebrei meu tornozelo, então tive que me endireitar”, completou.
Charlie Watts contou, ainda, ter tido sorte de não ter se tornado viciado em heroína durante os anos 1970, principalmente durante o processo de composição e gravação do disco “Some Girls”. Para se ter ideia, Keith Richards foi quem teve que intervir, e quando Keith Richards acha que você está exagerando nas drogas, talvez seja um sinal de alerta grave. “O conselho dele me tocou e eu parei com tudo”, lembrou.
Tendo vivido a vida de uma estrela do rock por quase seis décadas, Watts teve um arrependimento: não ter ficado tempo o suficiente ao lado da esposa, Shirley, com quem se relacionava desde antes de ingressar nos Stones e sobre quem sempre proferiu palavras carinhosas. O casal tem uma filha, Seraphina, mãe de Charlotte, única neta do casal. Shirley chegou a excursionar com a banda, mas não aguentava o ritmo da estrada. Apesar disso, sempre se deu muito bem com os companheiros de banda de Watts.
A fidelidade de Watts à esposa sempre foi uma lenda no mundo do rock, e eu gosto de pensar que era real. O que acontece em um relacionamento diz respeito àquelas pessoas e ao acordo que elas têm uma com a outra, mas é interessante pensar em um dos mais importantes músicos da história, membro de uma banda conhecida por excessos, se mantendo fiel à esposa. Watts era, sim, um eterno apaixonado.
O lado família do baterista sempre contrastou com o estilo de vida de seus colegas de banda e rendeu boas histórias. Relatos dão conta de que Watts desenhou, turnê após turnê, todos os quartos em que ele se hospedava; era como passava o tempo enquanto seus colegas iam para a farra.
Há também a clássica história de que ele teria ficado encantado com a sala de jogos de Hugh Heffner na Mansão Playboy. Enquanto todos estavam numa balada regada a drogas e cheia de mulheres, Watts teria permanecido na sala de jogos com máquinas de fliperama e pinball.
No documentário de 25 anos da banda, o músico define a data como “cinco anos tocando e 20 esperando”. De fato, parte da vida do músico era esperar as agendas de Jagger e Richards para novas turnês, o que nem sempre gostava de fazer, ou discos. Durante esse tempo, ele desenvolveu projetos pessoais tocando com uma orquestra ou com seu quinteto de jazz.
Charlie vivia no campo, em uma fazenda cheia de cavalos e animais, local que também guarda sua coleção de carros clássicos, mesmo nunca tendo tido carteira de motorista. Essa informação não essencial se torna importante por mostrar quem era Watts, o discreto baterista dos Stones, uma estrela que nunca buscou os holofotes, o sujeito que manteve os Rolling Stones juntos durante todo esse tempo e o colecionador de carros que não sabia dirigir.
Charlie Watts era um baterista incrível, preciso, conhecido por nunca ter “perdido o tempo” durante uma música, o que provavelmente é uma piada. Mais do que isso, Watts, ao que tudo indica, era um cara fiel às suas duas grandes paixões: os Rolling Stones e Shirley.
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