Logo de cara é possível perceber que o “Elvis” de Baz Luhrmann se relaciona mais com “Rocketman”, ousada cinebiografia de Elton John, do que com “Bohemian Rhapsody”, que conta, de forma quase juvenil, a história de Freddie Mercury e do Queen. Desde os primeiros acordes de seu “Elvis”, Luhrmann acelera, se atropela, pula passagens importantes e dá a impressão de estar indo rápido demais. Como uma boa canção de rock e como é do feitio do diretor, o filme entrega uma experiência, um espetáculo que reforça a lenda de Elvis Presley, mas que também cobra seu preço.
“Elvis” é comandado pela atuação monstruosa de Austin Butler, já cotado para o Oscar de 2023, que recria maneirismos gestuais e de fala de Elvis Presley, imitando a voz e cantando boa parte das canções do início da carreira do biografado. O Elvis de Butler tem noção de sua potência pop, de seu apelo como estrela da música, mas o texto se esforça para construí-lo além disso.
O texto abrange quase quatro décadas explorando a carreira de Elvis, mas principalmente seu relacionamento com Tom Parker, o “Coronel” (Tom Hanks, com uma maquiagem medonha), o “vilão” do filme, um sujeito que manipulou Elvis durante toda a carreira a partir de suas fraquezas. As escolhas do roteiro fazem o espectador questionar como, afinal, um golpista de baixo escalão se torna o empresário de um dos maiores nomes da música de todos os tempos. Ainda, e talvez a principal questão, por que Elvis continuou fiel ao Coronel mesmo quando teria possibilidades mais interessantes e maiores com outro empresário?
Mesmo sob uma pesada maquiagem e com um sotaque esquisito, Tom Hanks é ótimo como o vilão. Sua escolha para o papel é um grande acerto, pois Hanks é um labrador humano, um ator com eterna fama de bom moço e que escolheu papéis cuidadosamente ao longo da carreira para manter essa fama - qual foi a última vez que Hanks interpretou um vilão ou um personagem de caráter dúbio? Em toda sua premiada carreira, o ator sempre foi a bússola moral de seus filmes.
“Elvis”, o filme”, cria uma boa expectativa para realmente nos depararmos completamente com o incrível Elvis Presley de Austin Butler. A tão famosa e subversiva apresentação que levou o público à loucura só ganha as telas no final do primeiro ato. Em vários momentos, o filme é mais centrado no Coronel do que no personagem-título, e isso às vezes funciona; “conhecemos” Elvis no mesmo momento em que seu futuro empresário, e é impossível não se apaixonar imediatamente por aquele jovem bonito e talentoso.
O maior acerto do texto de Luhrmann é reforçar a influência da música e da cultura negra na carreira e na vida de Elvis Presley. Logo após o breve prólogo sobre Parker, o filme já traz um Elvis adolescente dividido entre a música gospel do Sul dos EUA e o blues roqueiro da região, ambos de origem negra. O filme presta a devida homenagem a Little Richards, Rosetta Tharpe, B.B. King, entre outros tantos artistas negros que criaram o rock antes dele ser embranquecido pela história.
Nunca um projeto sobre Elvis deu tanta importância à cultura e aos artistas que o influenciaram. Como o filme todo é feito com autorização da família do músico, ele também se aproveita desse arco para minar a história de que Elvis teria “roubado” a estética desses artistas para o próprio lucro. O filme também é utilizado para minar a narrativa do Elvis conservador, do artista que não participou dos movimentos pelos direitos civis e tampouco se manifestou sobre isso à época, mas mostrado no filme como um ser político, plenamente ciente das questões sociais que o cercam.
Até para reforçar esse aspecto, “Elvis” é muito eficiente em mostrar seu biografado como uma ameaça aos costumes sulistas da época. Nos primeiros anos, ele era um jovem branco que cantava e dançava como um negro em um período de segregação racial, além de abusar da sensualidade em movimentos considerados profanos. Elvis era uma incômoda ameaça à moral e aos bons costumes, o símbolo de "degradação" da juventude.
O filme, porém, lida pouco com a ironia de como o Rei do Rock larga dessa posição de contracultura para se tornar uma atração de Las Vegas, o cemitério da arte. O fim de carreira de Elvis e o pesado consumo de drogas ganham espaço no terceiro ato (mesmo que o abuso de drogas seja sugerido antes) de forma quase respeitosa, tirando do músico um pouco da responsabilidade por seus atos.
A edição com estética de videoclipe, uma das especialidades de Luhrmann, dá ritmo frenético ao filme, mas também atropela alguns arcos dramáticos que poderiam conferir peso ao filme - o cineasta nunca foi conhecido por sequências longas, respiros dramáticos e cenas bem desenvolvidas, mas pelo senso estético e pela narrativa pop.
De qualquer forma, “Elvis” é um espetáculo às vezes desnorteante, uma mistura de sons, cores e imagens para contar a história de uma lenda - o fato de o filme ser narrado pelo Coronel reforça essa sensação de contação de história. Potencializado pela atuação magistral de Austin Butler, Baz Luhrmann transforma Elvis em cinema e conta sua vida da maneira como ela foi vivida até o momento de sua morte, aos 42 anos: acelerada, torta e selvagem, sem tempo para um respiro.
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