O final da primeira temporada de “O Urso” é perfeito e seria um ótimo encerramento para a série criada por Christopher Storer. A série, no entanto, foi muito bem recebida, acabou em várias listas de melhores de 2022 (no topo da minha, inclusive) e a renovação se tornou inevitável. Com novos episódios devidamente encomendados, a dúvida é: há mais histórias a serem contadas no universo da série? Felizmente, sim!
Em dez episódios, a segunda temporada de “O Urso” chega ao Star+ nesta quarta (23) com um senso de familiaridade, mas sem se repetir e constantemente desafiando o espectador. A nova temporada tem início pouco depois do final da primeira, com Carm (Jeremy Allen White), Sydney (Ayo Edebiri) e Natalie (Abby Elliott) listando quanto dinheiro têm e o que será preciso para a abertura do novo restaurante. O conflito agora está na contagem regressiva para colocar tudo em funcionamento e começar a finalmente ver algum dinheiro. Surpreendentemente, porém, esse não é o grande foco da temporada, que opta por contar histórias individuais e oferecer certos respiros aos personagens longe da pressão da cozinha.
O grande mérito de “O Urso” é justamente ser uma série com a qual é possível se relacionar. A primeira temporada lidava com o luto, a depressão, crises de pânico e ansiedade, com o mundo pós-covid e a dificuldade de se gerir um restaurante neste cenário. Neste segundo ano, é como se o caos finalmente desse lugar à organização, com cada um dos personagens se entendendo e compreendendo seu lugar na engrenagem. Carm precisa se deixar ser ajudado e superar a experiência tóxica em seu antigo restaurante, Syd precisa aceitar o protagonismo, Richie (Ebon Moss-Bachrach) busca o propósito de vida que desapareceu com a morte de Micheal (Jon Bernthal). Tina (Liza Colón-Zayas), Ebra (Edwin Lee Gibson) e Marcus também ganham arcos individuais, com os dois primeiros buscando educação culinária formal enquanto o colega ganha até um episódio próprio, com uma viagem para estudar na Dinamarca.
Em sua nova temporada, “O Urso” explora as angústias de cada um de seus personagens sem nunca forçar a barra. Como pouco visto em séries, a narrativa alterna o puro caos e a calmaria, o que fica explícito no incrível episódio final, com um plano-sequência que passeia entre cozinha e salão do novo restaurante de forma magistral. Na sequência, a aconchegante iluminação à meia-luz do salão ganha trilha sonora agradável, enquanto a luz branca e dura realça as imperfeições de cada um.
É interessante como “O Urso” usa o tempo necessário para contar sua história. Assim, em meio a episódios que ficam entre 25 e 40 minutos, a série de repente introduz um episódio de flashback com mais de uma hora de duração. O que parece um filler logo se mostra um episódio essencial para entendermos a caótica dinâmica familiar dos Berzatto e, principalmente, o destino de Mike. É nesse episódio também que alguns dos convidados desfilam, nomes como Bob Odenkirk, Sarah Paulson, Jamie Lee Curtis, John Mulaney e Gillian Jacobs; a temporada ainda traz outras ótimas aparições como Olivia Colman e Will Pouter, todos em papéis relevantes à trama e não apenas uma presença VIP.
“O Urso” se destaca também pela capacidade de manter o espectador preso diante de histórias comuns. A série usa uma estrutura narrativa pouco didática para gerar um estranhamento que tira o público do lugar de conforto, mas não muito. O episódio centrado em Richie, por exemplo, vem logo após um episódio caótico em que nos afeiçoamos mais pelo personagem, um sujeito carismático, mas duro. Quando ele tem início, é difícil até entender que momento é aquele e o que o levou até ali, informações entregues com calma, no momento certo, e que transformam a série dali em diante.
“O Urso” conta com atuações que vão da explosão e da intensidade de Jeremy Allan White e Ebon Moss-Bachrach, à calma introspectiva de Ayo Edebiriusa ou Molly Gordon, outra boa convidada da temporada. Os atores, com um bom texto em mãos, fazem com que o espectador compreenda algumas relações complexas, como o fortalecimento de vínculos ou a empatia após uma briga homérica.
Além disso, a série trabalha bem a fotografia como parte da história, colocando Chicago no palco ao lado de personagens e com close-ups que aproximam o espectador das dores individuais. Da mesma forma, a trilha sonora continua um destaque e integrada à narrativa, com músicas de Refused, Wilco, Pixies, Pearl Jam. R.E.M e por aí vai – em uma cena, Fak (o chef Matty Matheson, ótimo) discute os significados da música “Can’t Hardly Wait”, do The Replacements, tocada um pouco mais adiante. São esses detalhes que tornam a série ainda melhor, buscando um nicho, mas sem nunca perder seu apelo abrangente de sentimentos universais.
Sem se repetir, o texto mexe com o espectador e quebra suas expectativas. A verdade é que faltam superlativos a “O Urso”, uma série que entende a importância do aspecto humano, das dores, dos acertos e dos erros; um texto cheio de tretas, mas também de atos de afeto e bondade; uma história com a qual podemos nos identificar mais nas imperfeições do que nas qualidades de cada personagem. “O Urso” é a televisão em seu auge.
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